[object Object]
15.05.2024POR Gonçalo Pina

Crónica de uma morte anunciada

Durante o ano fomo-nos matando a nós mesmos, tanto no relvado como fora dele. A desistência precoce do campeonato foi o reflexo de um clube que não sabe lutar para ficar bem.

Comecemos pelo fim. O clube usou as redes sociais para, quando ainda era possível, desistir. Imperdoável. Podíamos ter chegado à última jornada na luta, mas os jogadores chegaram a Alverca a saber que tinham mais duas semanas de férias e, ao que parece, o treinador também começou a pensar num futuro bem longe daqui. Esta foi só mais uma das muitas mortes anunciadas ao longo da temporada, embora proclamada por várias pessoas diferentes. Foi assim no primeiro jogo da época, quando a vitória contra o União não foi esmagadora, quando houve uma série de três derrotas seguidas (com eliminação da Taça incluída) ou quando a fase de subida ainda ia a meio. Nem Fidel Castro resistiria a tantas tentativas de homicídio.

Mas as coisas correram assim tão mal? Cumprimos o principal objetivo da temporada (ficar entre os quatro primeiro da nossa série) e quem sabe o que aconteceria se não tivéssemos perdido os dois melhores jogadores para a fase final do campeonato. Quer isto dizer que Tiago Moutinho é o melhor treinador do mundo e que só não subiu de divisão porque os astros se alinharam contra ele? Não, o treinador tem culpas no cartório e há muitas críticas justas, mas não faz sentido que seja escorraçado pela bancada todas as semanas. O resultado é um divórcio entre Tiago Moutinho e os adeptos que nos deixa (outra vez) sem treinador. 15 treinadores desde a queda para a Segunda Liga. Diria que a fórmula não deve ser esta.

«Não, o problema não é o Miguel Ribeiro, o JES, o Roxo, o Moutinho, o Caiado, o Perea, a Mancha Negra, o Facebook ou a RUC»

Mas sim, já sei o que estão a pensar… “a Académica não é só bola na rede”. E com razão. É vergonhoso que o clube esteja há quase um ano sem uma Assembleia Geral (227 dias desde a data que os estatutos definem como limite para ter acontecido). Fora o trabalho que tem feito, e bem, a comunicação social, os sócios estão cada vez mais arredados do que se passa no clube. Os processos (e as dúvidas) têm-se acumulado – Relatórios de contas? IFAPT? Contrato de exploração do estádio? Insolvências? Não se diz nada. Em relação a isto acho que não há “ses”, é uma política de portas trancadas incompreensível. Faltam explicações e não é só sobre o que tem acontecido, mas também sobre o que não vemos acontecer. Onde anda a SAD?

Mas veja-se também o outro lado, aquele que fomenta a “constante guerra civil” de que o Costinha falava quando por cá passou. O bombardeamento constante com insultos, assobios, verborreia nas redes sociais, invasão do espaço pessoal de membros da direção… há um bocadinho de tudo, qualquer coisa é suficiente para fazer uma bola de merda e atirar a quem está do outro lado a tentar fazer acontecer. Não, o problema não é o Miguel Ribeiro, o JES, o Roxo, o Moutinho, o Caiado, o Perea, a Mancha Negra, o Facebook ou a RUC. É este ambiente tóxico de quem acha que todos têm de ser culpados de alguma coisa e que o outro nunca quer ajudar. Até deu para ler quem dissesse que só não subimos por causa do cravo ao peito, obra político-partidária da direção. Quanta estupidez e falta de noção é que é precisa para não se entender que a Académica é um clube de abril?  “Ah, mas os comunistas quiseram acabar connosco…”. O Organismo Autónomo de Futebol é que é o sucessor daquela Académica que nasceu em 1887 e que esteve profundamente envolvida nas duas crises estudantis, a solução para preservarmos a nossa identidade já foi encontrada e discutida há 40 anos. Ainda não fizemos as pazes com isso? Parece que não, mas se calhar era importante, a menos que queiramos ter daqui a uns anos um clube que usa do emblema e do nome da associação de estudantes mais antiga do país a defender uma agenda ideológica que corrói o mundo do futebol (e não só).

«Era bom que um dia pudéssemos dizer que “as notícias da nossa morte foram manifestamente exageradas”»

Se calhar a morte contra a qual achamos que estamos a lutar, anunciando que “estamos condenados” se seguirmos este caminho, seria mais facilmente evitável se se enterrassem os machados de guerra e se tentássemos todos construir algo juntos. A crítica construtiva e a crítica destrutiva são facilmente identificáveis e temos sempre preferido a segunda (claro que, para isso, é preciso que seja dado o espaço para criticar). Era bom que se pensasse um projeto de futuro feito de consensos e de respeito pelo outro, uma discussão assente nos princípios que quero acreditar que subscrevemos. Que um dia pudéssemos dizer que “as notícias da nossa morte foram manifestamente exageradas”. Mas para isso é preciso mudar e pensar diferente. Sabendo o que a casa gasta, continuo a alimentar uma esperança parva de que na próxima época possa estar um novo início.

PARTILHAR: