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29.11.2022POR João Fidalgo

Joana Anjos esclarece particularidades e analisa propostas relativas ao processo de revisão constitucional em curso

No passado dia 25 de novembro, a Rádio Universidade de Coimbra (RUC) recebeu a professora Joana Neto Anjos, assistente convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), onde é igualmente investigadora do Instituto Jurídico. A temática abordada nesta entrevista foi a revisão constitucional em curso.

No programa da nossa grelha regular “Semana à Sexta”, recebemos a professora Joana Neto Anjos, que leciona a cadeira de Direito Constitucional na FDUC, com o intuito de esclarecer os nossos ouvintes acerca de uma das temáticas jurídicas que tem vindo a tomar os holofotes no panorama nacional: a revisão constitucional ordinária que foi despoletada, na etapa final deste ano, pelo partido político Chega. Com efeito, esta entrevista à Doutora Joana Neto veio esclarecer as particularidades que envolvem o processo em causa, mas também trazer uma apreciação técnica de algumas das propostas apresentadas pelos partidos políticos que apresentaram o seu documento de propostas para esta revisão.

“Estamos no âmbito de um poder constituinte derivado, ou seja, estamos a dar cumprimento ao poder constituinte originário”

Para abrir este espaço de conversa sobre Direito Constitucional, a Doutora Joana Neto começou por vestir a sua veste de educadora, começando por realizar alguns esclarecimentos prévios acerca deste processo legislativo como se de uma aula se tratasse, esclarecimentos esses que concernem a particularidades que podiam escapar aqueles que não se movimentam nos meandros da área do Direito. A professora e investigadora principiou por clarificar que este processo legislativo é limitado pelo poder constituinte ordinário, ou seja, as suas limitações estão expressas no próprio documento constitucional. Revelou então a qual dos dois procedimentos de revisão constitucional possíveis é que assistimos nesta situação em particular, aproveitando ainda para explicar os detalhes que distinguem o procedimento de revisão ordinária.

É necessário, nos termos do artigo 285º, que a iniciativa da revisão pertença aos deputados (da Assembleia da República) e têm que ser eles a ter este passo inicial no sentido de rever o texto constitucional”

A professora da FDUC referiu quais os artigos constitucionais que regem as regras da revisão constitucional, artigos 284º a 249º do documento, onde se podem a encontrar informações como os limites de revisão em matéria de competência, limites temporais, limites procedimentais, limites materiais, mas também os limites circunstanciais para a execução deste procedimento. Estes últimos, assumem especial relevo tendo em conta a conjuntura sanitária que enfrentamos do estado de emergência decretado em virtude da circunstância pandémica.

“Estas alterações da constituição que forem aprovadas vão ser reunidas numa única lei de revisão, depois, publica-se a lei de revisão constitucional com as alterações já introduzidas nos lugares próprios e a Constituição é republicada”

Para terminar os esclarecimentos acerca dos trâmites da revisão constitucional, falou-se precisamente da etapa final deste processo legislativo. A docente explanou quais os limites procedimentais da revisão ordinária em causa, mais precisamente, em termos da fase de aprovação do texto final da lei de revisão constitucional.

“De facto, PS e PSD apresentaram propostas de revisão constitucional com algumas semelhanças, (entre outras) têm muito a ver com a sustentabilidade ambiental, com a coesão inter-geracional, com a preocupação da defesa dos direitos fundamentais”

Para dar o pontapé de partida numa análise técnica das propostas para a revisão constitucional que têm chegado dos diversos partidos com assento na Assembleia da República, a docente de Direito Constitucional debruçou-se sobre dois aspetos que tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata parecem convergir ideologicamente: incluir na Constituição da República Portuguesa um novo estado de emergência sanitário e o direito de acesso a meta dados para investigação criminal.

Joana Neto apontou então que, ambos os partidos do centro ideológico, se inclinam para uma lógica de possibilitar o estado de emergência especificamente por razões de saúde pública com previsão de confinamento para portadores de grave doença infetocontagiosa, uma vez que, depois das circunstâncias causadas pela pandemia Covid-19, surge a necessidade de prever este estado de emergência mais focado para essa vertente.

Já no que é relativo à questão dos metadados, “informações relacionadas com os dados, mas não os dados propriamente”, a professora falou no Acórdão 268/2022 que veio, à luz do Direito Europeu, declarar inconstitucional o regime da utilização dos metadados para investigação criminal, uma vez que se considerava que este não dispunha de uma tutela devida sobre este tipo de dados. Neste âmbito, Joana Neto deu ênfase à importância da compatibilização com o Direito Europeu e a necessidade de acautelar devidamente as exigências europeias.

“(Relativamente ao partido CHEGA) Chamo à atenção que são normas importantes que estão a ser revistas, as que dizem respeito à aplicação de penas e medidas de segurança”

Houve espaço nesta entrevista para a Doutora Joana Neto fazer uma análise técnica de outras propostas apresentadas pelos diversos partidos que considerou mais relevantes, embora, como a própria revelou, “sem desprimor das outras propostas”.

Delegando esse conteúdo para uma audição atenta e integral da entrevista por parte do leitor, revelo apenas a consideração final da assistente convidada da FDUC em relação a algumas propostas do partido CHEGA, sobre as quais a professora escolheu não se pronunciar, apontando apenas que, na sua ótica, merecem uma chamada de atenção relativamente à seriedade dos assuntos que concernem e que não considera que seja adequado entrar nesses domínios de momento. Além das questões relativas a penas e medidas de segurança, bem como de questões de nacionalidade, a autora releva também a proposta do partido em revogar por completo o artigo 288º da Constituição, que é o artigo relativo aos limites materiais de revisão do documento constitucional.

Aconselho o leitor a escutar o podcast disponibilizado no nosso site (e que pode encontrar no topo deste artigo), onde pode assistir a esta “aula” da Doutora Joana Neto em formato áudio, e assim perceber melhor as particularidades da revisão constitucional ordinária que está em curso, e que, certamente, marcará ainda o mandato do 12º Governo Constitucional do Partido Socialista.

 

 

 

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