A ousadia de Carlos Bica | Carlos Bica Playing With Beethoven no TAGV

Uma sala praticamente cheia, sentou-se em silêncio para receber “Carlos Bica Playing With Beethoven”. Projeto encabeçado por Carlos Bica, contrabaixista e nome incontornável do jazz português. A acompanhá-lo neste trabalho, temos Daniel Erdman (saxofone tenor), DJ Illvibe (Vincent von Schlippenbach) e João Barradas (acordeão). Este “Carlos Bica Playing With Beethoven” – com direito a álbum editado em 2023, com selo da Clean Feed Records – parte de um desafio lançado a Bica, aquando dos 250 do compositor alemão Beethoven, para recriar o trabalho do mesmo.

 

Com uma abordagem mais romântica e melódica, Bica desconstruiu o trabalho de Beethoven, atingindo um ponto de coabitação entre as diferentes referências musicais de cada um dos artistas que se juntaram a ele. É a união entre o tradicional e o moderno, explorar as ligações com o passado e abraçar o trabalho dos que mais nos inspiram.

As notas dos instrumentos soltaram-se ao mesmo tempo, acompanhadas pelo crepitar dos vinis de DJ Illvibe. “Leonore” foi então o tema que abriu este concerto levantando o véu, de forma misteriosa, para o que a plateia iria presenciar na próxima hora e quinze minutos. O improviso de Erdman rapidamente se fez notar, mas de forma sempre muito elegante, e não ofuscando nenhum dos artistas – algo que se sentiu neste concerto foi mesmo o equilíbrio entre os quatro músicos.

 

O improviso reinava entre estes artistas, mas João Barradas era a peça chave que faltava para unir o tradicional com o moderno. No momento a solo que este teve em palco, presenciamos a mestria que acompanha um dos nomes mais criativos no que toca ao acordeão europeu.

Por entre temas mais calmos, e outros mais tempestuosos, DJ Illvibe juntava os seus samples e vozes distorcidas para dar mais corpo aos ritmos presentes em palco. O artista de Berlim deixava qualquer um estupefato com o seu à vontade a manusear os gira-discos. Sentimento partilhado por Carlos Bica que, nos finais do concerto, confessou ter ficado fascinado na primeira vez que o viu tocar, vendo as possibilidades infinitas de criar música só com dois vinis. 

Durante o concerto, Bica brincou com a responsabilidade que foi, e que continua a ser, de enfrentar este desafio, de “Carlos Bica Playing With Beethoven”. Muitos medos e receios surgiram neste processo criativo mas a confiança no projecto foi surgindo por existirem espaços abertos a receberem esta experimentação musical, com “escritas deste génio da música”, como contou o contrabaixista.

 

O concerto terminou com uma versão de “Sonata ao Luar”, apelidada de “Julie” neste trabalho. Para além das vozes trazidas pelos discos de DJ Illvibe, também existiu um grande recurso ao sopro de Erdman que, enquanto tocava, balançava de um lado para o outro e ajudava a criar uma ideia de movimento do som. João 

Da mesma forma que Beethoven deixou-se levar pela sua ousadia e irreverência, revolucionando o panorama musical da sua época, também Carlos Bica e os seus companheiros foram arrojados nesta abordagem, executada na perfeição pelos músicos.

 

Fotografias de João Duarte