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Tremor 2024 – a renovação do som insular
De 19 a 23 de março, São Miguel fez acontecer o Tremor, festival montado pela Plutão Camaleão – Associação Cultural e Recreativa, promotora/editora sediada no Porto Lovers and Lollypops, e Yuzin, agenda cultural açoreana. O que é a ilha e como a podemos sentir mais perto? Esta experiência “no meio do Atlântico” construiu mais território para além da convergência tectónica.
Na antevisão do festival, a RUC conversou com o Márcio Laranjeira, da direção artística. O Tremor é o ano todo, uma sinergia entre artistas e comunidade, com projetos contínuos. Esta ação multidisciplinar não-invasiva pretende sempre fazer para São Miguel, preservando lugares e cultura.
Em cinco dias, o tempo perde-se na ilha para quem vem do continente. Aqui seguem conversas com os artistas e umas reflexões sobre o que por lá passou.
Filipe Felizardo e Pedro Sousa, via proposta da Rádio Vaivém e da editora Marca Pistola, juntaram-se em novembro de 2023 para uma residência, resultando em “Horizonte Entóptico”, apresentado ao vivo no Auditório Luís de Camões. Uma décima ilha, um imaginário que partiu da percepção continental da linha do horizonte.
São seis temas dedicados à vivência na insularidade, com recurso a gravações de campo, arquivos do cancioneiro tradicional açoriano, distorção cavernosa de Felizardo e eletrónica modulada de Sousa.
No Estúdio 13, Espaço de Indústrias Criativas de Ponta Delgada, aconteceu “Live in the Eyes of Night, Wrested by Thorns and Dust”, uma performance audiovisual de 8 horas. Música exploratória, por entre os meandros do noise e da eletrónica, vieram do Deserto de Tempe, no Arizona, para São Miguel. Há pontos em comum, no ritmo e recursos destes diferentes contextos.
Marshstepper, projeto de JS Aurelius, O. Norouzi, C. Fletcher, S. Nappa e N. Nappa, conspirou com a Orquestra Modular Açoriana para este devaneio duradouro.
Partindo da visão do coletivo Ascetic House, esta ação materializa-se em arquivos, numa perspetiva de mapeamento e procura de soluções.
Nas Portas do Mar, o palco que fechava as noites do Tremor, Holy Tongue puderam protagonizar um dos melhores momentos do dia. Hipnótico dub, o projeto de Valentina Magaletti, assídua agitadora do Tremor, juntou Al Wooton e Susumo Mukai para um voo a céu limpo e sem turbulências. Também Sarine pôde dar-nos a conhecer o seu projeto minimalista construído em bases rítmicas ancestrais.
À parte do seu papel em DEAFKIDS, o percussionista falou-nos dos papeis subservientes que a letra confere aos temas, de heranças que facilitam a sua conexão a elementos modais e das intenções para o concerto.
No Solar da Graça, a fractalidade do som de Sarine cumpriu-se.
Na cena clubbing do festival, Saya aliou gqom e ritmos eletrónicos da cena experimental árabe para o seu manifesto. Com visuais de Bárbara Paixão, vimos e ouvimos resistência a poderes instituídos. A mensagem como a prioridade, num momento que nos entrou por três horas galopantes. Vimos também MAQUINA. em quarenta e cinco minutos, com a força das “DIRTY TRACKS FOR CLUBBING” e alguns temas do que aí vem, “PRATA”. O trio lisboeta apareceu no lineup, após a saída de Idris Ackamoor & The Pyramids, e iniciou a combustão. É explosiva esta maneira de ver um concerto, um pouco como nos confessaram La Jungle,
Glockenwise, passados dez anos desde a primeira edição do Tremor, voltam à ilha. Por uma questão pessoal, era um concerto expectante para eles e para nós.
‘Somos uma banda de Barcelos’, do início ao fim. A dez metros do bar no qual se estrearam em 2014, ouvimos a palheta pujante do Nuno Rodrigues em “Vida vã”, e soubemos que a viagem pelo Gótico Português, corrente subversiva ao país de cristal, seria alucinante, na maneira mais natural que este pop-shoegaze-punk-art-rock se poderia tornar. Num olhar face à cena onde começaram, notam que o circuito, com a criação de espaços e novos festivais, alargou e ativou zonas fora das cidades grandes.
Serão banda de culto? O tempo como independentes aprimora o que fazem. A tradição dos presépios da Lapinha, reinterpretados no Tremor, deu as mãos ao figurado barcelense de Rosa Ramalho.
Rozi Plain, com o seu mais recente lançamento Prize, entrou no Auditório Luís de Camões serena. A guitarrista dos This Is The Kit falou-nos da sua rotina e dos diferentes lugares que fizeram este último álbum a solo.
Harmonias juntaram-se à preciosa companhia de Cole Pulice (saxofone), que adiou o regresso para planear a coincidência deste momento.
Fizeram um concerto bonito, sobre as fragilidades e confianças mundanas embaladas ao folk alternativo de Rozi.
No Teatro Micaelense, Colleen apresentou o seu álbum instrumental mais recente, “Le jour et la nuit du réel”, uma dedicatória ao sintetizador Moog e às suas monofonias.
O seu percurso levou-a ao concerto número 250, no Tremor. Após várias reflexões, a artista reconhece o privilégio de um concerto ao vivo em contraste, com a solitude que o estúdio traz.
A meio do festival, dois momentos emocionantes, um em Rabo de Peixe, e outro num passeio entre jardins de Ponta Delgada.
Em Rabo de Peixe, pudemos assistir ao resultado da residência entre Sam the Kid, a Orquestra de Música de Rabo de Peixe, e MC´s convidados. Rappers e Dj´s de várias ilhas, Cafaia, Dusk, itzjotap, Joana Pacheco, kyasutā, Lil kyra, Madruga, NicTobu, NTK, Oestrela, Outsidah, Valério, Joya Black e Bensky, partilharam palco e barras no porto da vila micaelense.
Uma homenagem sincera no último tema a Sandro G, marco do hip-hop açoriano. Foram anos de legado carregados ali, num concerto montado por um mestre de cerimónias que muda mentalidades para Chelas e, agora, Rabo de Peixe.
Sincera foi também a renovação do projeto que junta o coletivo ondamarela e a Associação de Surdos da Ilha de S. Miguel.
O som do tremor não tem que ver necessariamente com som audível, e a percepção desta conversão auditiva é descontruída na arte da participação. O Som foi sentido nas ruas que dividem os jardins Antero de Quental e António Borges. A obra foi grandiosa, orquestrada em torno de uma grande árvore e uma multidão a celebrar o Som Sim Zero.
Os sons do Tremor são as pessoas, a arte que é conhecer alguém. São cultura, dos presépios da Lapinha ao receituário tradicional açoriano. São também os lugares: Ponta Delgada, Lagoa das Empadadas, Ponta de Santo António, Ribeira Grande, Rabo de Peixe. A todos que se envolvem nesta criação e em tudo o que acontece a partir daqui, venha mais Tremor!
As entrevistas podem ser ouvidas na íntegra aqui
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