AUTOR: Isabel Simões

DATA: 11.05.2024

DURAÇÃO: ...

A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) recebeu o Colóquio Narrativas da Revolução, no início de maio, nos dias 2 e 3. O Anfiteatro III, da Faculdade, esteve repleto. A entrada foi aberta ao público e o programa Há Vidas Nesta Cidade assistiu a algumas mesas redondas. No programa de hoje ouvimos escritores, Vasco Lourenço, protagonista da História recente de Portugal e João Figueira, professor na FLUC.


João Figueira, dissertou sobre o mito do domínio comunista na imprensa, no período revolucionário. “Os Tigres de papel” no processo revolucionário português, foi o título que deu à conferência que proferiu no Anfiteatro III da FLUC. Consoante o professor da FLUC, a baixa taxa de leitura do país foi um dos argumentos para haver “um poder escasso” de influência da imprensa publicada “nas decisões políticas das pessoas”- No entanto, então as notícias de escândalos e o ‘fait-divers’ estavam ausentes da agenda jornalística no período revolucionário. À margem da conferência foi por aí que a pequena conversa com a RUC começou.

Carlos Reis, professor na Faculdade de Letras, considera que “uma das coisas emocionantes” para a geração de que faz parte e a revolução trouxe, foi a “a libertação da linguagem”. Tem muito a ver “com a explosão de palavras proibidas”, de que “comunismo, Partido Comunista, socialismo”, são exemplos.

Nos anos anteriores a 1974 pouca gente tinha atividade política em Portugal. “Havia uma massa de gente que não podia ter ideias avançadas” e que tinha de corresponder ao “respeitinho é muito bonito”, lembrou o professor da FLUC. A seguir à revolução “houve uma explosão das palavras e das imagens”. A chegada de Álvaro Cunhal a Portugal e a passagem da bandeira comunista num desfile, uma coisa que não se via antes. Para Carlos Reis houve um salto qualitativo muito rapidamente.


Os diretores dos jornais até à revolução eram muito conservadores, ouviu-se na conferência. Ao tempo, alguns jornalistas tentavam passar mensagens subliminares na esperança de que o lápis da censura não cortasse o texto. João Figueira expressou à RUC a opinião que tem sobre o assunto e deu a sua visão do jornalismo de hoje.

Segundo João Figueira, após a revolução, sindicalismo, agricultura e questões sociais, foram assuntos que começaram a ser tratados nos jornais. As primeiras páginas também reportavam campanhas de alfabetização. Alguns jornais “tinham leituras da realidade diferentes”, “há alguma transformação”, adiantou o ex-jornalista. “Na ressaca do 25 de Novembro” surge o “Diário”. O diretor foi escolhido pelo Comité Central do PC e segundo João Figueira o nome de Saramago foi vetado por Álvaro Cunhal, por o considerar “muito esquerdista”.

No jornalismo internacional e desportivo as mudanças não foram muito significativas. João Figueira concorda com Carlos Reis em que houve libertação da palavra e uma “certa contaminação”. Também existiu uma alteração significativa nos pivôs do telejornal, e a propósito contou uma pequena história. Se Manuel Caetano gostava de estar à frente do telejornal na Noite de Natal, Henrique Mendes preferia a noite de ano novo no Casino do Estoril porque antes das 20 horas havia sempre um bailarico, revelou o professor da FLUC. Devido à pressão, “ninguém imagina hoje que antes das 20 horas haja um bailarico”.“Seria impensável agora”, acrescentou.


Dulce Maria Cardoso, Almeida Faria e Vasco Lourenço, foram convidados da Faculdade de Letras no segundo dia do Colóquio Narrativas da Revolução. A moderação pertenceu a Clara Almeida Santos e a Cristina Robalo Cordeiro.

A escritora Dulce Maria Cardoso, apresentada por Cristina Robalo Cordeiro, escreveu vários livros. “O Retorno”, editado pela Tinta da China, coloca em análise algumas das problemáticas vividas pelos portugueses que foram forçados a regressar após o fim da Guerra Colonial em África. Ao livro da autora,  “Autobiografia Não Autorizada” foi atribuído o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores de 2024.

Dulce Maria Cardoso tem-se interessado pelas narrativas da revolução. Em Coimbra revelou que “só há bem pouco tempo se tinha apercebido não ter vivido na colónia de Angola. “Uma colónia não se pauta pelos princípios de Estado de Direito – É um lugar de domínio, de submissão”, esclareceu.

“Há um sentimento de culpa quando descrevo uma manhã de praia na colónia”, declarou. “Como integrar os pais e os amigos, culpando-os?”, perguntou. Assim, falar com pessoas que voltaram de Angola, onde a escritora viveu, cria um problema “muito complicado” ao expô-las. A escritora interroga-se “se é uma traidora ou uma colonialista”. Na conferência, mencionou “não ter um pensamento simples para a questão”.

O ex-Presidente da República, Ramalho Eanes, afirmou que a descolonização foi “trágica” e deixou Angola e Moçambique numa situação de guerra civil “que destruiu tudo”. Por outro lado, “fez regressar muitos angolanos”, gente que tinha nascido em Angola e que “não conhecia outra pátria que não fosse aquela”. De repente foram obrigados a vir para “uma terra que tinha sido dos seus antepassados, mas que eles não conheciam”, mencionou o ex-Presidente da República. Ramalho Eanes voltou a reafirmar este pensamento numa aula-debate sobre o 25 de Abril com alunos de escolas secundárias e universidades, no antigo picadeiro real, junto ao Palácio de Belém, em Lisboa.

Dulce Maria Cardoso revelou à audiência ter ficado contente com as palavras de Eanes, pois passou o tempo todo a ouvir que “a integração” dos retornados “foi um sucesso”. “Só em 1988, o ano em que me licenciei, deixei de ser retornada”, “só nessa altura saí do gueto dos retornados”, contou a escritora. À RUC explicou que lhe interessa “é uma versão mais limpa da história”. A autora questiona a razão pela qual os retornados foram “tão estigmatizados”.

Segundo Dulce Maria Cardoso, a revolução permitiu que “inquiridores e PIDE passassem alegremente para a Democracia” – Já os portugueses de Angola quando regressaram eram apelidados “fascistas e colonialistas”, lamentou. Para a escritora, o facto de se ter escolhido não ajustar contas fez com que os que viviam então no pedaço europeu não se sentissem coniventes com a Ditadura, mas aqueles que voltaram de África fossem considerados “culpados” pela colonização. Para Dulce Maria Cardoso hoje é tempo de “desconstruir mitos” quando estamos a viver um tempo “mais virado para a reparação”.

“A integração não correu tão bem”, “os retornados foram estigmatizados”, “como lidamos com a sujidade da ditadura” – questões que Dulce Maria Cardoso deixou e cujas respostas considerou “fundamentais” para o futuro do país.


Sobre a questão dos retornados, o escritor Almeida Faria entende que é uma “ferida aberta” e recomendou a leitura dos poetas, em especial os poemas do antropólogo, poeta e ensaísta, Luís Quintais, nascido em Angola e que regressou na ponte aérea com a família após a descolonização.

Já para Vasco Lourenço “sem a Guerra Colonial não teria havido 25 de Abril em 1974” e ninguém “deu a independência de barato”, ela foi conquistada. O agora tenente-coronel desafiou alguém a dizer como a descolonização podia ter corrido melhor com os esquerdistas a gritarem na rua “nem mais um soldado para o ultramar”. Considerou também que integrar dez por cento da população portuguesa “não era fácil”, entende que o processo foi “trágico para quem veio”, mas que em termos coletivos se fez “o melhor possível”.

A descolonização foi “uma ferida aberta para muita gente” e “um drama que tivemos que suportar”, mas que não inviabilizou o processo revolucionário, esclareceu Vasco Lourenço. O capitão de Abril adiantou que o processo revolucionário terminou com a Constituição de 1976. À RUC, Vasco Lourenço reforçou não ter sido possível “fazer melhor” na descolonização e na integração dos retornados.

Músicas:

  • Samba da Utopia de Jonathan Silva
  • O Despertar dos Alquimistas do Fausto