
Europa
Muito mais longe do que do Atlântico aos Urais, o velho continente marca a vida de muitos, quer pela presença, quer pela ausência.
Semanalmente, os velhos e os novos assuntos europeus na antena da RUC.
UM PROGRAMA DE:
Miriam Lopes
O ritmo frenético dos acontecimentos globais não se compadece com a periodicidade desta rubrica. Será impossível escolher um assunto no menu diverso com que a geopolítica nos presenteia diariamente. Por isso, hoje vamos, como já temos feito no passado, oferecer-lhe dose múltipla, com os acontecimentos que marcaram a atualidade europeia nos últimos dias.
A começar pelo início da semana. A Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, afirmou na segunda-feira que se Israel não melhorar a situação em Gaza poderá sofrer represálias europeias. As declarações surgem após terem sido apresentados, aos 27 ministros dos Negócios Estrangeiros, os resultados de uma revisão do Acordo de Associação União Europeia com Israel, que encontrou “indícios” de que Israel violou as suas obrigações em relação aos direitos humanos nas suas ações em Gaza.
Caso Telavive continue a dificultar o acesso à ajuda humanitária, a atacar hospitais e a forçar a deslocação palestiniana, o bloco europeu vai discutir “novas medidas” que suspendam o acordo de associação com Israel na próxima reunião, em julho. Até ao momento, está em cima da mesa a suspensão parcial de determinadas disposições relacionadas com o comércio livre, a investigação e a tecnologia no acordo de associação.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita criticou a revisão do acordo e afirmou que “as conclusões não devem ser levadas a sério ou utilizadas como base para quaisquer ações ou conversações futuras”.
No mesmo dia, a União Europeia e o Canadá realizaram a vigésima cimeira entre o bloco e o país, no que foi considerado uma poderosa declaração política por António Costa, presidente do Conselho Europeu. No encontro, estabeleceram uma parceria de segurança e defesa e deram início a conversações sobre um acordo de comércio digital. António Costa afirmou que a consolidação de laços com o Canadá vai permitir que as duas partes elevem a sua parceria estratégica “a um nível de proximidade sem precedentes”.
Como, então, se fortificou a parceria entre Bruxelas e Otawa?
Uma Parceria de Segurança e Defesa foi assinada entre os representantes diplomáticos. O acordo estabelece um trabalho conjunto em matéria de gestão de crises, mobilidade militar, segurança marítima, ameaças cibernéticas e híbridas e cooperação industrial no domínio da defesa. Também a luta contra o terrorismo, a não proliferação, o desarmamento, a política espacial e o apoio à Ucrânia estão abrangidos pela parceria.
Otawa vai também passar a ter acesso ao programa de empréstimos SAFE da União Europeia – o novo instrumento financeiro do bloco que apoia o investimento no setor da defesa. Agora falta ser negociado um segundo acordo bilateral para que o país possa, efetivamente, participar nas aquisições conjuntas. Propõe-se o valor de 150 mil milhões de euros para o Canadá.
Não só a cooperação no setor da defesa foi assegurada, como também no setor comercial. Os dois blocos oficializaram as negociações sobre um Acordo de Comércio Digital. O novo acordo objetiva facilitar os fluxos de dados e aprofundar a cooperação em matéria de inteligência artificial, cibersegurança e normas digitais.
A negociação vem reforçar a Parceria Digital entre Europa e Canadá lançada em 2023 e o acordo de comércio livre CETA.
Num momento de instabilidade geopolítica, a União Europeia e o Canadá têm encontrado entre si aliados de diplomacia fácil e cooperativa.
E, no âmbito de atos diplomáticos mais questionáveis, falamos também da tensão no Médio Oriente, que se tem intensificado nas últimas duas semanas.
No momento em que preparo o guião desta semana, vejo em primeira mão o momento em que é anunciado o cessar-fogo entre Israel e Irão, não pelos países beligerantes, mas sim, pela que tem sido a figura central do curto conflito de 12 dias: Donald Trump. Em várias ocasiões tem sido comentada a inoperância da diplomacia europeia, sem nenhuma tentativa de resolução ou prevenção da instabilidade bélica. A credibilidade e durabilidade do cessar-fogo pode ser questionada, mas não mais do que a verdadeira dimensão da influência europeia global.
A acontecer: os 32 aliados da NATO estão reunidos em Haia para a conferência anual de líderes. A fação europeia está preocupada com a alienação da Cimeira do conflito em curso entre a Rússia e a Ucrânia, que este ano está a ter muito menos foco. Em debate, está o facto de os Estados Unidos da América já não considerarem o sucesso na Ucrânia como fundamental para a segurança da NATO.
Este ano, as atenções estão viradas para Mark Rutte, que apontou um novo objetivo de investimento na área da Defesa: 5%. O secretário-geral da NATO afirmou que o aumento vai permitir que os aliados financiem a capacidade de defesa aérea, a compra de “milhares” de tanques e veículos blindados e “milhões de cartuchos” de munições de artilharia. Recorde-se que em Portugal, a nova ambição apenas chegava aos 2% do PIB. Este valor deixou de ser suficiente. Figuras como Luís Marques Mendes, candidato à presidência da república, debatem se o aumento da verba na defesa para 5% vai ser alcançada à custa do Estado Social.
O encontro entre os líderes termina hoje com a notícia de que Portugal teve um papel fundamental no desbloqueio da declaração final da septuagésima sexta cimeira da NATO. Vários países demonstraram preocupação quanto à nova meta de 5% e ao prazo exigido. O país lusitano protagonizou a solução, ao interceder na procura de uma nova data-limite para atingir a meta de 3,5% dos gastos em defesa. Em conjunto com as demais diplomacias foi acordado o alargamento do prazo de 2032 para 2035.
Os aliados têm agora 10 anos para reforçar progressivamente as verbas na área da Defesa. Luís Montenegro acalmou os ânimos censuradores ao prometer que as contas públicas vão permanecer equilibradas.