Cyberia
Repetição: segundas (05h00); terças (23h00)
A rave e as suas várias expressões no éter da RUC.
UM PROGRAMA DE:
Bernardo Matos E Assafrão E Lexi Narovatkin E Luís Marujo E Tiago Calvinho E Beatriz SousaNo passado dia 23 de Abril, a editora portuense XXIII celebrou 7 anos de existência com uma festa no Pérola Negra, com o alinhamento composto pelas brasileiras Jup do Bairro e BADSISTA, assim como da prata da casa, Torres, NOIA, Caucenus e UGHO.
A editora fundada no Porto por Torres e NOIA conta já com mais de 20 lançamentos de artistas nacionais e internacionais, tendo-se tornado um dos motores de arranque da cultura underground estabelecida a norte do país.
Tive a oportunidade de me sentar à mesa com NOIA e Torres antes da festa para falar um pouco sobre o coletivo e descobrir mais sobre a sua história, crescimento e motivações que tornaram a XXIII um dos principais coletivos da cena musical underground portuguesa. Um coletivo que continua constantemente a desafiar qualquer tipo de categorização.
XXIII – MMXV
“Descrever a XXIII é partilha de música” – NOIA
A procura, descoberta e divulgação de música é algo que estava presente na vida de Torres e NOIA. Este desejo de partilhar a música que encontravam começou com posts nos seus perfis de Facebook. Mas em 2015, as limitações de um perfil privado pessoal (de Facebook), levou à criação da página da XXIII, a 16 de Março desse ano. Através dela, para além de conseguirem chegar a uma maior audiência, foi também possível criar-se o anonimato de quem faz a divulgação e focar a atenção nos artistas e na música.
“Acabas por remover uma questão que é atribuirem uma cara àquela partilha, é só uma página que as pessoas à partida não saberiam quem seria. (…) A determinada altura as pessoas já não sabem quem está por trás da XXIII ou quem é que é a cara e isso até que se torna um bocadinho irrelevante porque a partilha é a música em si” – Torres
Tanto Torres como NOIA encaram a XXIII, principalmente no seu começo, como algo extremamente pessoal e “um projeto muito egoísta”. À época, era uma plataforma onde procuravam “promover a música que nós gostávamos, os artistas que nós admirávamos, trazer os artistas que queríamos e ver se o publico ia atrás do que nós gostávamos ” com uma “curadoria muito própria nunca cedendo ao que o pessoal quer ouvir”.
Sweetdrops
Pouco tempo depois da criação da XXIII surgem as Sweetdrops, que hoje contam já com mais de 123 edições.
Com início em 2015 e lançamentos mensais até aos dias de hoje, esta série de guest mixes surge do desejo de continuar a promover artistas e sonoridades com menos plataforma, bem como interagir com a comunidade global de artistas que os entusiasma, não se focando apenas no panorama musical português.
Pelas Sweetdrops já passaram nomes como 3WA, ALVVA, BADSISTA, Caucenus, DJ Nevoeiro, Kaval, Odete, Oseias, TSVI e VANYFOX, entre muitos outros. Nomes estes que reforçam a curiosidade e o interesse em trabalhar com diferentes comunidades e universos sonoros, tornando impossível de rotular o universo XXIII.
O Som XXIII
“A sonoridade da XXIII é uma coisa muito orgânica” – NOIA
“O que é hoje não vai ser amanhã” – Torres
Algo que se tornou bastante claro durante a nossa conversa foi a paixão que ambos nutrem por música. Esta paixão reflete-se nas várias vertentes da XXIII, seja nas festas que organizam, nas Sweetdrops, nos artistas que se foram juntando à família XXIII ou na sua faceta como editora de música. A sua evolução para editora permitiu utilizar a estrutura que criaram para promover artistas que não tivessem uma plataforma.
Começaram por se inserir numa sonoridade Future Beats e Trap, com lançamentos de Rkeat, Osémio Boémio ou xxoy. Porém, ao longo dos anos, a sua sonoridade desenvolveu-se organicamente e foi crescendo com base nos contextos e influências de cada pessoa. O som XXIII é algo que recusa categorização e que está em constante evolução. Procura englobar e fundir sonoridades como o Baile Funk, Reggaeton, Hard Drum, Bass Music etc.
“Quando o crescimento é orgânico as coisas fazem sentido” – Torres
Isto é algo que se torna bastante aparente quando percorremos o catálogo da editora.
Ao longo de 7 anos de lançamentos, para além de EPs, começaram também uma série de compilações.
Estas coletâneas, que contam já com 10 volumes, apresentam uma visão muito pessoal, curada por NOIA e Torres. O “Volume 1” começou com artistas ligados à XXIII, mas a partir daí também passaram a convidar produtores que gostavam e a receber propostas.
As compilações revestem-se de uma sonoridade mais club ready e provaram ser um enorme combustível na promoção e interação com a cena clubbing espalhada um pouco pelo mundo inteiro, mantendo sempre o foco em fazer crescer os artistas que nelas são apresentados.
Colaboração e comunidade estão no âmago da XXIII e a música que divulgam tem sempre essa componente. É música que não pertence a um lugar só, que pertence a várias culturas.
A Internet ligou o mundo a todo o tipo de géneros musicais e partilha de culturas. Isto está bastante evidente no último lançamento da editora, “Samulnor . E” de DJ co.kr. O artista Sul-Coreano funde sons tradicionais, como a percussão de Janggu e Salmunori (género musical tradicional da Coreia do Sul), com estéticas mais “europeias” de UK Garage, Jungle ou Bass Music, num EP que conta também com a colaboração do produtor japonês Stones Taro numa remistura.
Festas I – CandyWaves
Uma componente muito importante do que torna a XXIII especial são as festas que organizam. A vontade de dar um palco a artistas nacionais e de convidarem artistas internacionais que gostam fez com que começassem por apresentar, no Maus Hábitos, as CandyWaves, ainda que de uma maneira mais descomprometida.
“As pessoas gostam de encaixar as coisas em gavetas e quando não permites que isso aconteça tivemos uma dor de crescimento”.
O Porto sempre esteve mais associado ao Techno e ao Hip Hop. No entanto, a vontade de “desafiar um pouco as pessoas na cidade” e a criação de uma audiência fez com que percebessem que o lugar da XXIII é o Porto e que querem continuar a investir na cidade que os acolhe.
Festas II – Pérola Negra
“Nós sempre fomos sobre música, (…) o Pérola Negra é um sítio que tu vais lá pela música” – NOIA
A abertura do Pérola Negra e consequente colaboração permitiu-lhes levar as festas a novas dimensões. Mantendo a visão muito própria do que querem para a festas e com a curadoria completamente a cabo deles, encontraram neste novo club uma maturidade e preocupação com a programação que se encaixa com a visão XXIII.
“Não havia um club no Porto que tivesse o feeling de club e mindset que queríamos” – NOIA
“O Pérola assumiu-se como um espaço com um mindset muito maduro, (…) olhas para a agenda e todas as semanas tens uma programação cuidada e especial.” – Torres
Em 2019 acontece o primeiro evento “XXIII Takeover – Pérola Negra Club” e desde então já trouxeram à noite do Porto artistas como King Doudou, DJ Florentino, Amor Satyr e Ahadadream. Conseguem assim cultivar um público regular e cimentar a sua posição na cena clubbing da cidade.
“Há um investimento do próprio club em programar” – Torres
A parceria com um club como o Pérola Negra abre também novas portas ao coletivo através da relação que se formou com os programadores do espaço.
“É muito interessante teres os próprios programadores a tentar perceber qual é a nossa sonoridade e tentar fazer chegar artistas que não chegam até nós. Um club recebe mais esse tipo de propostas e haver essa conexão é mesmo interessante” – Torres
Dificuldades do Underground
“Trabalhar a cena de noite, a cena underground, é muito complicado, não é menos cultura … a cultura club é muito mais aceite lá fora” – NOIA
Durante a nossa conversa abordámos também algumas das dificuldades que surgem quando estamos inseridos no mundo da diversão noturna, do clubbing e do underground.
Um problema que os fundadores da XXIII destacaram imediatamente é a falta de reconhecimento do trabalho de um DJ como agente cultural. O DJ é alguém que dedica o seu tempo à incessante pesquisa e curadoria de música e ao desenvolvimento das suas habilidades. No entanto, o trabalho de um DJ, a programação de uma festa num club, ou o trabalho de um produtor de música mais club ou underground é visto com menos relevo cultural que outras expressões musicais e artísticas.
“Há pessoas tão incríveis em Portugal a fazer cenas, vocês em Coimbra, o pessoal da Mina, da Quântica, nós cá (Porto), há muitos movimentos que acontecem e que parece que somos mais conhecidos lá fora pelos lançamentos do que cá” – NOIA
A falta de espaço e oportunidades na noite portuguesa para novos artistas e movimentos também é uma preocupação muito importante para ambos. Torres e NOIA vêem a necessidade de diversidade como algo fundamental e destacam como é preciso haver mais variedade na programação dos espaços noturnos e combater a estagnação neste meio.
“Acho muito importante os programadores estarem atentos às novas gerações, eles é que trazem as cenas frescas. (…) Há muita falta de raparigas a tocar, há muita falta de espaço para o pessoal LGBT, (…) é preciso estares atento, criar espaço para essas pessoas e ter diversidade.(…) A música não pode ficar estagnada a 3 ou 4 pessoas num sítio” – NOIA
NOIA e Torres têm uma paixão evidente pelo movimento Baile Funk, que resultou em várias visitas ao Brasil para entender as raízes dessa cultura e as suas nuances. No entanto, ao explorar e tentar trazer essas sonoridades para os clubs portugueses, viram-se enfrentados com algum preconceito relativamente a esses estilos musicais.
“Há um preconceito com o Funk que chega à Europa, não há uma pesquisa sobre o que é efectivamente o Funk, de onde é que vem, porque é que vem, porque é tocado e falado dessa forma” – NOIA
Por fim, os cabecilhas da XXIII destacam a importância de realçar a necessidade de se parar de categorizar DJs com base nas pessoas, coletivos e espaços a que estão associados, sem que haja uma pesquisa do som que os caracteriza. O trabalho de um DJ é marcado por diferentes sonoridades e estilos que o influenciam e, para além de variado, pode evoluir muito ao longo do tempo. É essencial haver um intercâmbio de DJs entre cidades e espaços noturnos.
“Programadores facilmente colocam um rótulo em cima e não se esforçam para perceber o que de facto tocas. O interessante de seres DJ é teres a plasticidade de te conseguires adaptar ao que te apetece e ao que te faz mais sentido” – NOIA
“Tens de ser honesto contigo mesmo e fazer o que fazes porque gostas. (…) As pessoas são um bocadinho um híbrido de tudo mas efetivamente tocam o mesmo universo sonoro. (…) Se querem fazer uma festa com determinado tipo de música basta procurar quem efectivamente está a toca-lo independentemente se tocas onde tocas” – Torres
Distribuição Independente e a Democratização da Música
Para além de todo o trabalho que têm com a XXIII, tanto Torres como NOIA têm outras ocupações. O trabalho de Torres numa agência como road manager de artistas inseridos no mainstream deu-lhe um maior entendimento de como os movimentos da música comercial seguem os caminhos da música underground.
“O bonito do funk é o real. (…) Os movimentos musicais periféricos surgem em comunidades pobres que usam determinados tipos de música para se expressar, seja funk, dancehall, kuduro. (…) A partir do momento que são apropriadas para uma cultura mais mainstream, desvirtua-se.” – Torres
O facto de trabalhar com artistas mais comerciais confere-lhe uma visão mais completa da estrutura, organização e das possibilidades de monetização de movimentos musicais. Mas, ao mesmo tempo, faz com que dê mais valor a essa independência que por tanto lutam.
“O facto de a maior parte dos artistas conseguir distribuir a sua música de forma independente rebentou com uma indústria que estava manipulada pela mão de alguns” – Torres
XXIII – A Imagem
“Muito muito forte, das designers mais pesadas de Portugal” – Torres
Ao longo de toda a nossa conversa ficou mais que aparente que a a descoberta e partilha de música são a principal força motriz da XXIII. Ainda assim a preocupação com a imagem com que se apresentam, seja nas capas dos lançamentos ou nos cartazes e arte para as festas é evidente. Como tal, não podemos falar da XXIII sem falar de Rita Matos. A designer aliou-se ao projeto em 2017 e desde então tem sido a principal responsável pela imagem e apresentação de todos os projetos da editora, trabalhando em conjunto com eles para desenvolver novas ideias para fazer crescer a comunidade XXIII.
“Nós experimentamos com alguns designers e ela foi a única que nos conseguiu ler. Ela conseguiu por “em papel” aquilo que nós queríamos para a XXIII” – NOIA
XXIII – Conclusão // O Aniversário
O dia, que só podia ser o 23 do mês, terminou no Pérola Negra com a celebração do sétimo aniversário da editora. Uma festa que representou perfeitamente o que significa XXIII. Pudemos ouvir desde Electro a Baile Funk, Deconstructed Club a Bass Music, Breakbeat e Techno. Ali juntaram-se talentos nacionais como Caucenus e UGHO a algumas das referências da atualidade na música underground brasileira Jup do Bairro e BADSISTA.
“Eu se tivesse que escolher uma pessoa como influência máxima seria a BADSISTA” – NOIA
Porém a história da XXIII está longe do seu fim. O trabalho desdobra-se entre agenciamento de artistas, festas, guest mixes, programas de rádio e lançamentos. A procura de música nova continua e com certeza que vamos continuar a ouvir falar muito deles.
A próxima festa acontece já no dia 14 de Maio com Violet, DJ Nervoso, NOIA e 3WA.
Para terminar deixo-vos com algumas ligações / links para melhor conhecerem e explorarem o universo XXIII. Não esquecer que esta entrevista está acompanhada de um Cyberia especial com músicas exclusivamente lançadas através da editora e misturadas por Assafrão.
Links XXIII
XXIII Website // Bandcamp // SoundCloud // Instagram
Radio Shows
Club Noia Radio @ Source Radio
NOIA
Torres
Fotografia: PEDRO MKK
Design XXIII Poster: Rita Matos
Design Cyberia: Internet Jane
Tracklist Cyberia XXIII
CAUCENUS – BANDIDO // VOLUME 9
LOBBY – POOLSIDE // VOLUME 8
AHADADREAM – SHAKEDOWN DRUM DUB // VOLUME 8
MU540 – Perereca 7echnologic // MEGATRON
CKRONO – BEAT DO PRODIGY // MEGATRON
rkeat – querida (rkeat flip) // the changes ep
PEDRO – ESFREGA // VOLUME 4
DJ TESS – FORWARD // VOLUME 8
9STARP – DRUM IS DESTINY // VOLUME 8
Le Motel – Shaolin (feat. Magugu) // Pots & Pans
DJ co.kr – Samulnor.E // Samulnor.E
Zazim – Everything (Saint Caboclo Remix) // Everything (Remixes)
FKOFF1963 – PUMP LA HAUNTED // VOLUME 6
CASH FROM HASH – TURBOCHARGER // VOLUME 10
Caucenus – Fazuzu ft. B4MBA (3WA Remix) // Fazuzu ft. B4MBA
LYM. – SEXY // VOLUME 10
LARINHX – BOTA X DESCE [DJ LARINHX] VAPO VAPO // 150
BJF – BAILE DO BUSTA // 150
Sippinpurpp x Shirak – Sauce (Slowminded & xxoy Edit) // Hip Hop Tuga Edits // Vol. 3 by xxoy.
SH1FT – SENTO EM 50 // 150
b o u t – = MTG TOXIC 155BPM = [b o u t] // 150
KELELA – BETTER (JLZ BEAT MODINHA EDIT) // XXIII // 150
LARINHX – GOSTOSO x TE DEIXO COMO? // VOLUME 9
LYM. – CONFRITAMENTO // VOLUME 8
Mans o – SPARK IT // HI-TECH TONGUE
Le Motel – Ay Chica // Pots & Pans
Profjam – À Vontade (xxoy Moody Edit) // Hip Hop Tuga Edits // Vol. 3 by xxoy.