Culturama
segundas, sextas (17h00)
Magazine cultural da Rádio Universidade de Coimbra.
UM PROGRAMA DE:
Programação RUCGuilherme Efe, natural da Nazaré, tem-se revelado um comunicador de emoções, explorando-as nas músicas que compõe. Desde densos dedilhados a simples rasgos de corpo e alma na guitarra, transforma as palavras e a voz em melodias de cordas à medida que as suas necessidades de expressão o impelem. É um guitarrista autodidata que tem vindo a calcorrear as experiências de vida e o que sobre elas tem a dizer num processo conscientemente evolutivo, mas não menos intenso. Assim tem sido Grutera, persona catártica por acaso e por gosto, desde 2012. E foi assim que se fez ouvir no passado sábado, dia 19 de junho, no Centro Cultural Penedo da Saudade.
O Festival Santos da Casa, em colaboração com a Blue House, trouxe Grutera mais uma vez à cidade de Coimbra, desta feita para apresentar o último disco, “Aconteceu”. Com lançamento previsto para maio de 2020, o quarto disco do guitarrista teve a estreia adiada para novembro do mesmo ano, pelos motivos que já todos conhecemos, e revela um resultado robusto, sem perder a simplicidade do caráter de Grutera. Como o próprio afirmou à RUC, cada álbum faz parte de um processo de maturidade natural enquanto músico e que, a par com o próprio crescimento pessoal, traduz os resultados da etapa que se lhe corresponde no respetivo tempo de vida.
O espaço limitado da sala onde atuou no passado sábado não foi suficiente para condicionar a atmosfera. Ou, pelo menos, os objetivos da performance musical. O concerto decorreu no interior do edifício por motivos de ameaça meteorológica pluvial e, para quem já conhece a sala, a distância exigida entre os lugares sentados não auxilia ao formato intimista que ambiciona, não obstante o acolhimento das pessoas da casa e do festival.”Esta sala é boa para as palmas – parecem muitas”, refere algures após as primeiras músicas, a propósito da acústica.
Se desconforto houvesse, a fidelidade de Grutera à proposta de apresentação de “Aconteceu”, quebrou-o. Deixando de parte apenas duas músicas, o alinhamento do concerto seguiu o do álbum, complementado com uma bem-humorada contextualização das “letras” de cada música enquanto afinava a recém-adquirida guitarra. “A partir daqui”, abriu as hostes, apropriadamente.
Com facilidade de abstração da realidade espacial em que o público se encontrava, durante cerca de uma hora escutou-se uma particular atmosfera cinemática e distintamente portuguesa. Poder-se-á, talvez, dizer que não é um concerto a que o público luso esteja habituado pelos músicos do nosso território. As canções não têm palavras explícitas vocalizadas, mas têm familiaridade e alguma dinâmica bem vincada.
Os temas apresentados falam sobre estar perto, estando longe das pessoas de quem se gosta, mas também sobre localismo e tradições, enquanto em alguns se agregam, às claras melodias, subtis passagens pelo experimentalismo, sempre num exercício de resistência à fácil tentação do exacerbamento técnico e da abstração – longe disso. Os ‘loops’ e demais efeitos têm o seu lugar cativo na discrição. É, no fundo, uma linguagem despojada com a sua própria singularidade, que não deixa de ser próxima a quem se dispuser a escutá-la e compreendê-la.
Não exige muito; apenas alguma empatia emotiva e sensibilidade compatível. Após agradecer o acolhimento do Centro Cultural, do Festival e da cidade, “não deixem a cultura morrer” foi o apelo que lançou antes de tocar “Em frente”, a música que, apropriadamente, finalizou o concerto.
Pode escutar a entrevista com o músico onde nos revela um pouco como se torna e cresce Grutera, qual a relação com a guitarra e o sentido deste projeto na vida do próprio, Guilherme Efe.
Fotografia: @Fausto da Silva