“Vazio legal” pode encher Acade(rneta)mia de cromos repetidos
Especificação no Caderno de Requisitos permite a reeleição de Carlos Missel como Coordenador-Geral da Queima das Fitas pela 5ª vez.
Os Novos Estatutos da Associação Académica de Coimbra (AAC) entraram em vigor a 18 de julho de 2024. Neste dia, a Academia começou a reger-se por um novo conjunto de regulamentações e princípios.
A Assembleia de Revisão de Estatutos nomeou uma Comissão de Acompanhamento para ajudar na implementação e interpretação do novo documento. A Comissão vai promover o serviço consultivo e informativo até 60 dias após a tomada de posse do Conselho Fiscal (CF/AAC) e do Conselho Disciplinar (CD/AAC) da Associação Académica de Coimbra, a eleger em fevereiro de 2025.
Na cerimónia da escritura pública, Bruno Santos, presidente do CD/AAC considerou que os Novos Estatutos vieram para tornar a Academia “mais estruturada, organizada e transparente”.
As candidaturas para Coordenador-Geral da Queima das Fitas 2025 abriram oficialmente a 8 de setembro de 2024. No mesmo dia, foi publicado o Caderno de Requisitos para a Queima das Fitas, deliberado pelo Conselho Diretivo. O documento alberga os requisitos necessários para se efetuar candidaturas às posições de Coordenador Geral e Vice-Coordenador Geral para as edições da Queima das Fitas de 2025 e 2026.
A discórdia na Academia começou quando a Comissão de Acompanhamento recebeu a informação de que o Caderno de Requisitos fazia uma especificação considerada contraditória dos Estatutos. João Bento, membro da Comissão de Acompanhamento contou à RUC o que aconteceu nesta fase inicial.
No ponto 3 do artigo 40º dos Novos Estatutos pode ler-se: “(…) nenhum dirigente que exerça funções, por eleição ou nomeação efetuada nos termos dos presentes Estatutos, pode permanecer no mesmo órgão por mais de quatro anos consecutivos”. Já no Caderno de Requisitos, publicado pelo Conselho Diretivo, no ponto “Admissibilidade de Candidaturas”, considera-se que o número de mandatos em funções começa a ser contabilizado a partir da data de publicação dos Estatutos da AAC em vigor à data da publicação deste Caderno de Requisitos.
Perante a incompatibilidade, a Comissão de Acompanhamento expressou-se.
No parecer publicado a 10 de setembro, a comissão solicitou a retificação do ponto ao Conselho Fiscal. Segundo Pedro Monteiro, membro da Comissão de Acompanhamento, a revisão foi requisitada para que as alterações estivessem em concordância com os novos Estatutos.
Enquanto a Associação Académica começava a debater o dilema, Carlos Missel candidatou-se pela quinta vez ao cargo de Coordenador-Geral da Queima das Fitas. Para clarificar a situação, a RUC tentou entrar em contacto com o académico várias vezes, mas não obteve resposta até à data.
No entanto, Carlos Missel explicou ao Jornal Universitário de Coimbra ‘A Cabra’, dia 23 de setembro, que entendidos da lei explicaram-lhe a situação e que, caso contrário, não se conseguia ter candidatado. O coordenador acrescentou que os anos de mandato começam a contar a partir do momento que as pessoas são dirigentes, e descreveu o entendimento como ‘óbvio’.
Quando questionado acerca da situação, João Bento explicou quais os motivos que levaram ao surgimento da regra.
O responsável acrescentou, ainda, que Carlos Missel é um prestador de serviços e não um dirigente.
Em declarações ao Jornal Universitário de Coimbra ‘A Cabra’ dia 17 de setembro, o DUX Matias Correia, membro do Conselho Diretivo, referiu ter sido elucidado pelo advogado Luís Silva sobre um “vazio legal” nos Estatutos, vazio este que não impossibilitaria Carlos Missel de partir do zero para uma nova coordenação, após 4 anos de mandato. O advogado da Associação Académica foi contactado pelo Conselho Diretivo no dia 3 de setembro, cinco dias antes da publicação do Caderno de Requisitos. Em declarações à RUC, Luís Silva explicou que foi contactado para rever o documento.
Luís Silva percebeu um vazio de interpretação nos novos Estatutos e reiterou que a decisão cabia ao Conselho Fiscal.
A 13 de setembro, o Pleno Geral e Núcleos do Conselho Fiscal lançou um parecer no qual relembrou que a Comissão de Acompanhamento não possui poder decisório e que a sua atuação é consultiva e informativa. Alexandre Gomes, presidente do Conselho Fiscal, explicou que a discussão teve por base o parecer que não foi “nem favorável nem desfavorável” ao advogado da AAC, mas que ofereceu alguns pontos essenciais ao debate.
Alexandre Gomes confessou, ainda, que a decisão do Conselho Fiscal foi partilhada antes do parecer oficial ser lançado. O documento, divulgado a 5 de outubro, que considerou os recursos da Comissão de Acompanhamento “improcedentes” foi público antes da data, mas não publicado.
Entretanto a antecipação parecia já ter tomado conta da Academia. Tanto os membros da Comissão da Acompanhamento, como do Conselho Fiscal consideraram a publicação do Caderno de Requisitos precipitada. Pedro Monteiro relembrou que é o Conselho Fiscal que faz a interpretação de impedimentos ou de prazos estatutários.
O presidente do Conselho Fiscal partilha de uma opinião semelhante.
Como referido anteriormente, a 5 de outubro, o Conselho Fiscal lançou a Resposta ao Recurso da Comissão de Acompanhamento, a qual relata que o órgão reuniu em sede de plenário no dia 21 de setembro com o intuito de avaliar e votar a resposta aos pedidos de recurso. Após a votação, o recurso foi considerado improcedente e o cronómetro do número de mandatos do coordenador geral da Queima das Fitas voltou, oficialmente, à estaca zero. Um dia depois da discussão, Carlos Missel foi reeleito.
Pedro Monteiro, da Comissão de Acompanhamento, explicou que a questão transcende o concurso para coordenação da Queima das Fitas. O académico salientou que o somatório de quatro mandatos não entra em vigor com os Novos Estatutos, mas sim quando percorrerem quatro anos cumulativos, ou seja, em 2028.
De acordo com o Caderno de Requisitos da Queima das Fitas, qualquer pessoa que tenha entre 23 a 50 anos de idade, experiência prévia em Comissões Organizadores de Festas Académicas ou equivalentes e comunicação eficiente em Português e Inglês, pode-se candidatar aos cargos de Coordenador-Geral e Vice Coordenador-Geral da festa. No entanto, sem competição à vista, Carlos Missel foi o único candidato ao cargo e o académico André Peixoto foi nomeado o seu braço direito.
Presentes os factos e com eleições para a Direção-Geral da Academia por vir, resta saber se as caras vão mudar, ou se os novos Estatutos apenas serviram para reorganizar as cartas que já estavam no baralho.