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Hidden Horse: “Nos concertos, a nossa música interfere mais com o corpo do que com a mente”

Na antecâmara do concerto no Festival Les Siestes Coimbra 2024, João Kyron conta como os Hidden Horse têm evoluído desde o lançamento do primeiro álbum. Cada vez mais em trio, o músico explica que as atuações ao vivo do grupo têm uma grande componente de improviso.

Antes do primeiro concerto do Festival Les Siestes, a RUC esteve à conversa com os João Kyron, um dos dois membros do coletivo Hidden Horse. A entrevista pode ser ouvida na íntegra através do link acima ou lida abaixo.

Hidden Horse esteve cá no passado mês de fevereiro, no âmbito do Café Curto, no Convento S. Francisco. Nesta vinda a Coimbra o que é que Hidden Horse vai mostrar? Vai ser semelhante?

Vai ser um formato mais estendido e também vamos tocar algumas músicas novas que farão parte de um novo disco em que estamos a trabalhar. O Café Concerto foi um formato mais compacto, limitado pelo tempo que tínhamos e agora vamos mesmo em modo full power.

Então vão apresentar temas de um disco por sair e do mais recente?

Sim. Vamos tocar músicas dos dois ábuns que já lançámos, o “Opala” e o “Incorporeal”, ambos pela Holusan, e também tocar algumas músicas de um novo trabalho.

E no que toca à vossa participação no Les Siestes, acham que Hidden Horse faz sentido neste alinhamento?

Acho que faz todo o sentido. Aliás, nós cada vez mais nos direcionamos para esse tipo de eventos. Primeiro porque conseguimos que haja uma confluência de públicos e de bandas que tenham gosto por um certo tipo de criação musical, seja uma eletrónica mais de dança ou um dj set orientado para música mais experimental. E, no nosso caso, a música é uma confluência desses fatores: da dança eletrónica com experimentalismo, com uns toques de industrial…. Já estive a ver as bandas e os músicos que vão estar presentes [no Les Siestes] e é uma alinhamento bastante interessante.

Onde é que o vosso som resulta melhor? Têm encontrado desafios acústicos quando apresentam o vosso trabalho o vivo?

Sim, desafios acústicos há sempre, alguns dos espaços em que tocamos não têm um tratamento acústico. Mas nós conseguimos sempre encontrar um equilíbrio entre a componente acústica do nosso som e a componente eletrónica porque usamos percussões acústicas e bateria fundidos com elementos de sintetizadores e samples. O maior desafio foi num dos últimos concertos que tivemos, na Igreja da Misericórdia, em Leiria, a convite da FadeIn, mas ao longo do processo de soundcheck conseguimos encontrar um equilíbrio bastante interessante entre essas duas vertentes e acho que resultou bastante bem no concerto. O nosso som funciona melhor em espaços mais fechados, em clubes, o que não quer dizer que num espaço mais aberto. Por exemplo, tocámos recentemente também em Évora, no Capote, que também era nas arcadas de um palácio, e também funcionou bastante bem. Penso que é um local semelhante àquele em que vamos ter o concerto em Coimbra, o mosteiro.

Nas apresentações que têm ao vivo vocês contam com outra integrante, a Ana Farinha, que faz algo que nos discos não vemos. O que é que acrescenta às vossas performances?

A Ana Farinha é DJ como Candy Diaz e também é baterista de Vaiapraia. A ideia foi trazer uma riqueza aos concertos e uma série de elementos que não existem no disco e que são usados para marcar a diferença. Ela usa voz, toca percussão e também tocamos alguns discos de vinil especial para determinadas músicas. Essa riqueza que ela traz dá uma nova dimensão às músicas e tem resultado muito bem. Cada vez estamos mais oleados como trio.

Ela também faz parte daquilo que é o vosso processo criativo ou depois como é que essa “nova riqueza” entra nas vossas performances?

No primeiro álbum nem tanto porque o convite surgiu posteriormente, mas no “Incorporeal”, quando começámos a preparar os concertos, ela foi autora das partes que toca nas músicas e o concerto já foi pensado desde início dessa forma. Aos poucos ela tem vindo a integrar-se também no processo criativo. Nestas músicas novas que vamos tocar ela já participou no processo criativo desde o início. A tendência é que o duo criativo passe a trio.

Dizem que Hidden Horse surge como complementar a um outro projeto vosso, os Beautify Junkyards. Vocês têm uma ideia muito concreta com esta banda que querem transmitir a quem vos ouve e a quem está nos vossos concertos, mas gostava de saber como é que vocês se sentem e o que é que têm em mente quando estão a tocar?

Beautify Junkyards é um conjunto com seis elementos e tem um formato mais tradicional de banda, enquanto que Hidden Horse é um projeto que já tínhamos em mente há algum tempo e que não tínhamos tido tempo para pôr em prática. Queríamos muito explorar a vertente rítmica e queríamos algo mais próximo da música eletrónica. Apesar de Beautify Junkyards ter alguns elementos de música eletrónica (cada vez mais), Hidden Horse é algo mais específico, mais posicionado num pós-industrial, num crowd… influências que nós temos também como músicos, mas que às vezes nos Beautify é mais difícil de colocar porque somos bastantes a tocar. A ideia de Hidden Horse ao vivo é mesmo uma ideia de libertação, até porque os arranjos das músicas quando tocamos ao vivo é um arranjo variável que reage muito ao espaço e ao momento, portanto não temos uma estrutura fixa…

Têm também uma componente de improviso grande, não é?

Sim, e podemos estender determinadas partes com essa margem de improviso e com os elementos que a Ana introduz… essa liberdade também nos traz um gozo enorme porque traz um fator de imprevisibilidade e, quando corre bem, é uma satisfação muito grande para nós.

Como é que as ideias da banda evoluíram com o lançamento de “Opala” e “Incorporeal”? Isto tendo em conta as ideias de regressão e reflexão do passado, como é que sentem que a vossa temática de escolha tem afetado a linha estética dos vossos lançamentos?

O projeto Hidden Horse movimenta-se um pouco mais nas sombras e vai buscar elementos. Nós temos alguns filmes que servem de referência, por exemplo Ghost Dance, e também escritos do Mark Fisher, que é um escritor de que gostamos muito… Simon Reynolds… são elementos de inspiração fortes na nossa música. Depois também vamos buscar inspiração em projetos mais contemporâneos, como Burial ou Actress, coisas mais eletrónicas, como também projetos mais experimentais do passado, como Cabaret Voltaire, aquela bandas que foram mais pioneira na fusão da dança com a eletrónica, com resquícios da música industrial. Essa confluência de fatores, de imagem e de escrita formam um bocado o universo criativo e estético de Hidden Horse.

Além das influências internacionais, alguns dos vossos títulos são também em português. Vão buscar influências a repertório nacional?

Sim. Nós, como a grande maioria das músicas são instrumentais, aproveitamos os títulos para fazer uma espécie de poemas curtos. Símbolos figurativos de coisas vindouras. Queremos que o título acabe por ser uma curta descrição do ambiente que reina em cada música e os poetas futuristas são uma das inspirações para isso… algumas coisas mais esotéricas do Fernando Pessoa, como Álvaro de Campos, também são inspirações, as publicações do Orpheu… vamos também aí buscar inspiração para esses poemas curtos.

Dentro daquilo que é a ideia da banda, vocês falam muito num futuro que algures se imaginou mas que entretanto não se concretizou. Desde o início da banda, esta ideia de futuro imaginado mudou? O projeto ganhou consistência e mudou ideologicamente?

A ideia de futuro imaginado é uma ideia reinante e que é dita sobre nós enquanto sociedade ocidental de século XXI. Essa ideia e esses valores são inegáveis. Nos anos 70 e 80 veio a projetar-se uma ideia de futuro que nunca se concretizou e isso é uma realidade. Isso é só uma base da raiz, a partir daí há uma série de ramificações que se vão desenvolvendo e também outras ideias que são complementares, como, por exemplo, a ideia da cidade como um organismo e que nas sombras dessa cidade habitam histórias e pessoas que normalmente não estão visíveis, a ideia de termos muitos paralelos a habitar a mesma cidade e que quase nunca se cruzam, pessoas que têm o seu mundo e que quase nunca se cruzam com os mundos das outras pessoas… Isso acaba por ser quase distópico e por estar associado com alguma escrita de ficção científica, mas que no fundo também é uma observação da realidade e de como as coisas se tornaram. A cidade das vigilâncias e das câmaras de CCTV e o controlo cada vez maior em certos aspetos, mas por outro lado uma anarquia cada vez maior noutros aspetos, como a Internet e no mundo digital, em que ainda consegues ter muitos meios de subverter as normas a que acedem muitas pessoas. Todos esses fatores são fatores que influenciam a nossa música.

E sentes que esta mensagem de Hidden Horse tem passado nas vossas apresentações? Sendo obviamente mais fácil entender através de uma forma escrita, como o perfil da Holusan no BandCamp, mas, ao vivo, sentes que transparece?

O que transparece nos concertos é uma música mais pulsante que interfere mais com o corpo do que com a mente. Os ambientes, a forma como ela é construída e as texturas que vão planando sobre o ritmo acabam por trazer imagens às pessoas que estão no nosso subconsciente através da nossa vivência e da cultura que temos de imagens, filmes e pinturas com as quais a música se relaciona. Acho que essas conexões acabam por ser mais subliminares ao vivo do que numa conversa ou num texto, mas tem um efeito também forte porque são acompanhadas pelo movimento do corpo e pela riqueza rítmica que os concertos apresentam.

(Fotografia: Casa das Artes Bissaya Barreto)

 

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