Fotografia de João Nuno Ribeiro
07.09.2024POR Diogo Barbosa

Romaria Cultural – Onde a tradição e a modernidade se cruzam sob o olhar da Serra da Estrela

No último fim de semana de julho, realizou-se a 10ª edição da Romaria
Cultural que, pela décima vez, trouxe as artes ao centro da cidade de Gouveia. Como premissa, este festival cultural procura a valorização do património
natural, cultural e gastronómico, incluindo a população em processos de
recuperação e divulgação da memória, tradições e histórias locais.

26 DE JULHO

Chegando à cidade foi evidente que se iniciavam conversas, música, poesia e exposições em diversos recantos,chegando estas últimas até a ser instaladas em casa de gouveenses. Esta abordagem foi interessante, pois foi uma oportunidade de conhecer um pouco da cidade.

A equipa RUC começou o percurso da romaria na rua da Cardia com RecitaSons, um projeto local de recitação de poesia de autores contemporâneos portugueses e até de alguns da cidade de Gouveia. Tivemos a oportunidade de entrevistar António Saraiva que, além de ser o responsável por este projeto, foi um dos fundadores da Romaria Cultural.

No mesmo local, continuámos com poesia e paisagens sonoras. Viveiro, um projeto que cruza várias expressões artísticas, proporcionou mais um dos seus eventos únicos, desta vez juntando a voz de Carolina Drave à de dois convidados da casa, Joel e Diogo Barbosa que se deixaram emergir no som da guitarra de Johnny Gil, tudo misturado com sintetizadores.

Seguimos para a Rua 5 de Outubro onde “aqueciam” os Idioteque, um grupo emergente formado por 9 elementos de quatro nacionalidades diferentes que com os seus ritmos de funk, afrobeat e de música do mundo animaram os romeiros durante o pôr do sol.

No fim do concerto e já a caminho do Anfiteatro da Cerca, que seria o palco dos principais espetáculos, seguimos os Bürro que desmontaram o sistema de som e levaram-no até ao parque infantil (ajudas base para o funcionamento e para o bom ambiente da Romaria) e lá transportaram-nos numa viagem psicadélica, ao som dos seus quatro instrumentos.

Por fim chegamos ao anfiteatro da cerca onde já decorria a observação da vida noturna com Cervas, Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens. Antes disso, já tinha acontecido neste local o espetáculo “Raízes”, da criação da Sociedade Musical Gouveense, cuja banda filarmónica e projeto de dança possibilitaram ao público aí presente assistir a um diálogo pleno entre a música e a dança contemporânea, com banda sonora interpretada ao vivo. Pouco depois, os Bandua subiram ao palco para uma reinterpretação folk electrónica do cancioneiro popular da região da Beira Baixa, e os Amaterazu prenderam-nos ao palco quase que por hipnose de doom e rock psicadélico.

Os romeiros estavam entusiasmados pelos próximos dias e o DJ set da dupla Le cirque du Freak e Ogata Tetsuo estava animado com músicas post punk e de dance, fechando uma longa primeira noite.
27 DE JULHO
Os três dias de Romaria Cultural foram passados e acompanhados com uma grande onda de calor. O sol quente incidia nas cabeças durante o dia e desafiava a mergulhos numa das várias praias fluviais a descobrir na região. No entanto, à noite durante os concertos, a temperatura descia, sendo ótimo para as pessoas poderem saltar dos assentos de pedra e dançarem ao ritmo dos sons vibrantes que eram ouvidos. Como foi o exemplo da banda Club Makumba.
Esta banda que subiu ao palco do Anfiteatro da Cerca, um dos diversos locais de destaque da Romaria, pôs toda a gente de frente e junto ao palco a dançar. Abrindo a janela para uma viagem de sonoridades do Mediterrâneo e da África imaginada, a música dos Club Makumba ergue uma bandeira de resistência nas costas mediterrâneas, livre de preconceitos e fronteiras.
As atividades no anfiteatro da Cerca não ficaram por aí. Com previsão para atuar antes do Club Makumba, o cancelamento inesperado do Hidden Orchestra surgiu, e a atividade “Os Bichos da Noite”, organizada pela associação CERVAS, voltou a ser uma das atrações, bem como o concerto de Báyãn, que ocupou o mesmo horário e trouxe a Gouveia, de forma inédita, o iraniano Sharif Tavakoli (músico residente em Madrid) que, juntamente com Sina Shirazi, Roham Torabi e Luati González, deu a conhecer a riqueza da música e cultura persa. Entre concertos, Ricardo Brandão, responsável do CERVAS, informou-nos das diversas espécies existentes em Portugal e principalmente das mais presentes em Gouveia.
Encerrámos a noite com uma dupla inesperada Barrosa & Rasoul. Barrosa mais virado para o rock, enquanto rassoul mais virado para eletrónica. No entanto fundiram bem estes dois gêneros, proporcionando a todos os presentes, um agradável e estendido fim de noite, consolidando uma recém-tradição da noite de sábado no Anfiteatro da Cerca, recheada por um ambiente revivalista e comunitário.
Durante o dia 27 de julho, a animação também foi sentida. Embora as atividades tenham começado às 9:30, com uma caminhada biointerpretativa organizada em parceria com a associação CERVAS, a equipa RUC deu início ao seu percurso pelas 16:00 com uma visita guiada às exposições espalhadas por Gouveia, juntamente com os artistas. Sendo o ponto de encontro na Rua da Cardia, foram-se reunindo tanto artistas, como só quem ia para apreciar as exposições e ouvir os artistas em primeira mão. “Pés de Limão” de Ricardo Cradoso. Era possível ver nessa mesma rua, longos pedaços de pano, expostos em varandas. Neles continham frases escritas. Temas como a partida e a emigração eram visíveis nas frases desses mesmos panos.
De seguida, passando pela Casa da Torre, fomos acompanhados por Ricardo Brandão que nos expôs uma pertinente informação sobre a biodiversidade presente em Gouveia.
Entre exposição de pinturas com temas direcionados para filmes marcantes, na opinião do artista, até peças de teatro dirigidas mais para as crianças, mas que no final acabou por agradar a miúdos e a graúdos.
Os 50 anos do 25 de Abril, não foram esquecidos nesta edição de Romaria Cultural em Gouveia. Foi na galeria de exposições João Abel Manta que em evidência presenciamos uma instalação que procurava relembrar e recordar o 25 de Abril, e a censura que era vivida nos anos anteriores. Em forma de cubo, tínhamos arestas, em estacas de madeira. Numa das estacas era possível identificar uma numeração. No cimo, presos por um quase imperceptível fio, que seguram lápis. Estes lápis representavam diversos escritores que ao longo dos anos de ditadura, foram presos, ou até mesmo mortos, por expressarem o seu descontentamento face à ditadura em que viviam. Estes lápis estavam também diferenciados por cores, vermelhos, aqueles que faleceram, e brancos, aqueles que conseguiram escapar. Possuem diferentes distâncias relativamente ao chão e à numeração que se encontrava nas estacas, relacionando com a idade em que foram capturados. No chão encontrava-se terra, e uma um folha branca A4, que representava a escrita censurada pelos escritores
No final desta volta a Gouveia, visitando os vários locais de atividades A temida subida íngreme, até ao mirante do Paixotão, nos esperava, pois era lá que April Marmara, atuaria.
Após a bela tradição de lançar uma ave de volta para o seu habitat natural, neste caso um Milhafre, lançado pela própria April Marmara. Esta informou-nos que foi uma experiência única, e que sentiu o pequeno coração do milhafre a bater compulsivamente nas suas mãos. Sendo o tema da contemplação da natureza tão presente nas suas músicas, após este lançamento, dirigiu-se ao palco, pegou na sua guitarra e guiou-nos assim, numa viagem de música ghost folk.
O sol já se ia escondendo, mas antes disso, perguntamos a April se estaria disponível e aberta a conversar connosco, para a Rádio Universidade de Coimbra, ao que ela respondeu abertamente que sim.
28 DE JULHO
Já para o terceiro, mais tranquilo e último dia começamos por assistir aos Vídeos Premiados no festival FONLAND (Videolab). Uma sequência de curtas-metragens foi-nos apresentada. Percorrendo temas como as alterações climáticas a solidão sentida em quarentena. Estes vídeos artísticos foram apresentados na galeria de exposições João Abel Manta, o que também proporcionou um belo ambiente.
Para descontrair, e puder assimilar os temas abordados nos vídeos que assistimos, a equipa RUC, instalou-se num café à frente da Praça de S.Pedro. Sítio esse onde acontecia uma conversa integrada na programação do Teatro-Cine Gouveia, e de seguida a apresentação e divulgação do livro “Desenvolvimento Local em Portugal” de Alcides Monteiro e António Fragoso.
Os temas abordados na conversa inspiraram-nos, por isso propusemos a João Rebocho a elaboração de uma entrevista, à qual o mesmo respondeu gentilmente que sim. Este poeta ao longo da nossa entrevista mostrou-se além de um amante da escrita, amante das palavras, e do significado e variação das mesmas. Carregando livros seus na sua mochila, ofereceu-nos e assinou-os de bom agrado. “Ouves os gajos na cave?” Este livro de poesia tem dupla nacionalidade, e possui uma tradução feita por Carlos Ramos.
Na Praça de S.Pedro está presente a Igreja da Misericórdia, e esta deu lugar a um concerto “a urtiga”. Este duo teve a oportunidade de atuar num ambiente, diria fantasioso. Para além das esculturas, altares e suas as cores reluzentes, as condições acústicas do espaço transmitiam ainda mais essa sensação de fantasia.
Acabámos esta 10ª edição de Romaria Cultural com um Pôr de Sol no Mirante do Paixotão ao som de música eletrónica com The G.U.M. Com o bom ambiente que se instaurou naquele jardim, a bonita vista para a cidade, e um sol alaranjado que nos saltava à vista, vimos a oportunidade perfeita para conversar e entrevistar João Nuno Ribeiro, um dos organizadores da Romaria.
As atividades organizadas pela Romaria Cultural de Gouveia, não ficam por aqui. “Alice Sem Wonderland” é uma residência artística que será desenvolvida por Sofia Castro e Gonçalo Ramalho. Em breve, no mês de setembro resultará num espetáculo performance na encosta da Estrela.

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