Uma festa a céu aberto – Vodafone Paredes de Coura 2024
Ainda embalados pelo primeiro dia de festival, subimos novamente à colina que abraça o recinto do Vodafone Paredes de Coura, para uma noite que prometia ser de muita dança. Nada nos preparava para os concertos desta noite, com regressos e estreias neste festival.
Os Gilsons levaram a Música Popular Brasileira (MPB) até ao palco principal, ao final da tarde de dia 15 de Agosto, numa festa a céu aberto. O público juntou-se em força para assistir à estreia do trio em Coura, que trouxe a junção do swing baiano com os sons gingados cariocas. Francisco, João e José Gil respiram MPB – não fossem eles netos e filho de Gilberto Gil, respectivamente – e fazem cada um de nós querer estar de pé descalço a sentir a relva morna das margens do Taboão. Evocaram Caetano Veloso, perto do final, e puseram até os pés de chumbo a sambar.
Mas, rapidamente, as sonoridades deste palco se alteraram, dando lugar ao rock alternativo. No ano em que assinalam 30 anos de carreira, Sleater Kinney riscam da lista a estreia em Portugal. Com um concerto ao cair da noite, viajámos até aos anos 90 através do portal criado – não só pela imagem projetada no grande ecrã, mas também pelas baladas desta banda norte-americana. O girl power era notável em palco, com uma grande cumplicidade entre Corin Tucker e Carrie Brownstein. Contudo, as suas vozes foram abafadas pelas guitarras, bateria e teclados que as acompanhavam. Uma estreia que deixou a desejar, especialmente para os que queriam recordar os tempos de adolescência a ouvir certos hinos de Sleater Kinney.
E continuando com a energia feminina, o quarteto Los Bitchos fez migrar a audiência até ao palco secundário. Não se deixem enganar por esta banda sediada em Londres, elas levam-nos a viajar até às paisagens mais quentes e coloridas, através da sua música – uma mistura de surf rock dos anos 60 e cumbia, com uma pitada de psicadelismo. Com uma sensação de frescura e leveza, as Los Bichos deixaram-nos com água na boca para o seu próximo álbum, “Talkie Talkie”, que só nos chega no dia 30 deste mês, para nos satisfazer a curiosidade. Se na entrevista à antena da RUC, Serra Petale (guitarrista) e Josefine Jonsson (baixo), não controlavam risos e entusiasmo para este concerto, a companhia em palco dos restantes membros – Agustina Ruiz (teclas e sintetizadores) e Nic Crawshaw – elevou esta animação a um nível tal que contagiou toda a plateia. E, claro, os solos de congas também ajudaram. Aquecimento feito, rumámos até ao palco principal para um dos regressos mais antecipados desta edição.
Bis em Paredes de Coura e, novamente, sem desapontar a plateia – os franceses L’Impératrice levam o troféu de concerto da noite. Encarando um recinto completamente cheio, a banda francesa subiu a um palco transformado em bola de espelhos – e que nos ia iluminar durante a hora de concerto.
Os corações de 2022 transformaram-se em círculos luminosos e, mais uma vez, as roupas metálicas dos L’Impératrice fizeram-nos sentir que são seres de outro mundo, que aterraram na Praia Fluvial do Taboão com o seu french touch bem dançável.
Os olhos não descolaram do palco, era impossível querer ver outra coisa para além deste espetáculo. Por isso, perceber o mar de gente que ali estava, foi um acaso. Flore Benguigui, vocalista e único membro feminino do projecto, agarra o público de forma hipnotizante – e não é pelas luzes que brilham à nossa frente. A sua presença em palco é indiscutível, incluindo o público com danças simples e divertidas, usar flashes de telemóveis e falar com o público – algo que cada vez mais bandas ignoram nos concertos. Esta ligação entre artista e plateia é essencial, mostrando que eles são meros seres humanos a querer comunicar a beleza das suas criações. Com temas do novo álbum, “Pulsar”, até a temas que nos fazem recuar até 2015 – como é o caso da famosa “Agitations tropicales” – os L’Impératrice são uma receita que continua a resultar em solo de Coura, quase como se fossem o cocktail mais colorido e saborosa para uma noite de verão.
Momento grande para a música nacional, a encerrar o palco principal do segundo dia do Vodafone Paredes de Coura, com a estreia de Slow J. A emoção era notória na cara do músico e produtor português, que não conseguia parar de esboçar um sorriso ao encarar o público. “Aos anos que queria pisar este palco”, confessa logo o artista no início do espetáculo.
Para os que apontam que a quebra geracional sentida na plateia do festival é algo negativo, este concerto é a prova que o público de Paredes de Coura se está a alterar e que mais vale abraçar a mudança do que lutar contra ela. Mesmo após o concerto estrondoso de L’Impératrice, Slow J juntou uma multidão para o ouvir. Com as suas palavras sinceras e cheias de misticismo, as vozes soavam em uníssono. A guitarra portuguesa subiu a este palco, que tantos aspiram a pisar, misturando-se com o hip-hop de Slow J – que junta ainda ritmos quentes de morna e eletrónica. Slow J dá também cartas enquanto liricista, retratando temas fragmentários de uma forma despida de intelectualidades desnecessárias: o racismo, as desigualdades sociais e a pluralidade de culturas e identidades existentes em Portugal. Com um concerto que o artista não vai certamente esquecer, a faísca foi lançada. É altura de apostar no talento nacional e deixar as bandas incendiarem o palco principal do Vodafone Paredes de Coura.
Aquecidos pelos concertos, nesta que foi a noite mais fria do festival, o corpo pedia o merecido descanso. Horas depois, regressaríamos ao recinto para mais concertos que, tão rapidamente, não vão sair da nossa memória.