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Os improvisos que se afirmaram com o cair da noite – Vodafone Paredes de Coura 2024

Debaixo de um calor abrasador, regressámos ao habitat natural da música, para mais quatro dias de Vodafone Paredes de Coura. A equipa de repórteres da RUC, Maria Nolasco e Miguel Duarte, acompanham estes dias de muita música, sol e natureza. Partilham, agora, este primeiro dia de festival, em que o improviso reinou.

800 Gondomar subiram à vila no dia 13 de Agosto para um concerto estrondoso. As orações a São Gunão foram ditas por Frederico Ferreira (baixo, voz), Alô Farooq (bateria, voz) e Rui Fonseca (guitarra, voz). Correram a história fatídica de Fábio, a crise da habituação rotineira e da habitação, a ameaça de faca no bolso. As histórias que contam são de um sítio – Rio Tinto – mas também universais, vivências da vida suburbana. A “cidade-dormitório” de Gondomar pode não ter um coletivo artístico – o que acreditamos ser uma questão de tempo – mas os 800 Gondomar voltam lá, ao sítio que viu nascer este projecto, com uma vontade de aconselhar e de ter mais amigos. Pelo seu conhecido punk rock “javardo” de garagem, celebram a amizade. Voltaram ao recinto no dia seguinte, devido a uma emergência que tirou bar italia do lineup. A agenda foi reorganizada e os humildes gondomarenses voltaram à ação. Com luz vermelha por serem “misteriosos” e um som mais possante do que o palco da vila, fizeram o moshpit coletivo e reuniram mais ouvidos ao seu regresso. Com um par de concertos alucinantes, os 800 Gondomar deixam o lembrete que este festival é no Norte.

800 Gondomar
14 de Agosto
© Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

 

O palco principal abriu, neste primeiro dia, com um projecto nacional que tem dado que falar –  a junção de First Breath After Coma e NOISERV. Num espetáculo que permitiu ouvir os temas mais conhecidos de ambos, a cinematografia do concerto ficou completa com a presença de uma das bandas filarmónicas mais antigas do país –  a Banda de Música de Mateus. Concerto que terminou com “Don’t Say Hi if You Don’t Have Time For A Nice Goodbye”, de NOISERV, e que acolheu quem chegava por aquele pórtico.

 

Depois de uma animada entrevista, os Sababa 5 subiram ao palco secundário para cumprirem a promessa feita na antena da Rádio Universidade de Coimbra – um concerto energético e dançável. As sonoridades psicadélicas tomaram conta do público ali presente, em bom número para um final de tarde. Se tivéssemos dúvidas de que a falta da voz de Yurika se iria sentir neste concerto, rapidamente os Sababa 5 nos contrariaram. Em 50 minutos de concerto, este projecto levou-nos a viajar com o seu funk e disco, com uma forte influência do médio oriente.

Sababa 5
14 de Agosto
© Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

A peregrinação musical levou-nos de volta ao palco principal, onde começaram a surgir os acordes de Glass Beams. Com uma mudança de última hora no cartaz, o trio australiano trocou de palco e subiu ao entardecer, acolhidos por uma colina cheia e uma luz quente. Viajámos para um lugar longínquo e místico, com máscaras brilhantes e guitarras que pareciam de outro mundo. O dourado do fim do dia acabou, os Glass Beams saíram do palco sob uma chuva de aplausos e a noite caía, preparando-se para receber a aura astral de André 3000.

Glass Beams 14 de Agosto © Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

“New Blue Sun” foi provavelmente das maiores chapadas que a cultura do hip-hop recebeu nestes últimos anos meteóricos. André 3000, rapper estabelecido nos pilares americanos, dividiu os Outkast com Big Boi em aventuras alucinantes. Idos 17 anos do seu último concerto, o artista anunciava um projeto a solo feito à base de instrumentos de sopro, numa descoberta espiritual, com títulos extensos em que não cabiam versos e temas com intenções mais fortes que palavras – uma reviravolta inesperada. Na escuridão da noite, surgiu o feixe de luz que iria iluminar o tão aguardado cabeça de cartaz para esta noite. Numa experiência musical e visual, fez-nos parar para pensar no hipnotismo que esta colina nos provoca, deambulando na nossa existência e no quão fascinante é ouvir música. Aos 30 minutos, o artista explicou que até aquele momento, o concerto estava ser improvisado. “It literally means we’re making this up”, dizia André para uma plateia que se deitava no tapete etéreo do recinto, embalados durante mais de uma hora, ou não… Um nome inesperado que dividiu opiniões, mas merecido por um festival que se demarcou por concertos ditos “fora do comum” ao longo da sua história. Daqui a uns anos, podem falar do quão fascinante ou inusitado foi esta passagem de André 3000. Por agora enchem-se títulos de opiniões muito diferentes desta. Mas, se não fosse assim, viver a música no Vodafone Paredes de Coura não seria tão emocionante.

André 3000
14 de Agosto
© Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

Com as emoções à flor da pele, era difícil ver mais algum concerto nesta noite. Mas depois de reunir forças, ainda houve tempo para voltar a ver os 800 Gondomar, antes de partir para a lufada de ar fresco que foi Sampha. A cena musical do UK continua a estar presente nas edições do festival, no ano passado com Loyle Carner, por exemplo. E são sempre concertos aguardados e que surpreendem os mais desatentos do que se passa naquela ilha. Acompanhado por mais quatro músicos em palco, com os backdrops luminosos ideais, Sampha cantou do coração e deixou uma nota de esperança aos que ali se juntaram. 

Sampha
14 de Agosto
© Hugo Lima | instagram.com/hugolimaphoto | hugolima.com

Killer Mike assinou um concerto que nos transportou. É indiscutível a perícia do MC, nas letras que manifesta, e com o público que carrega por exclamações incisivas. O rapper dos Run The Jewels correu por melodias gospel e valorizou a comunhão desta colina. 

 

Por entre concertos à última da hora, a improvisos que seguiam a cadência da noite, e até virtuosismos do jazz e soul inglês, o arranque deste festival aconteceu com boas surpresas.

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