Futuro do Estádio: Académica e Câmara de Coimbra em Jogo Jurídico-Tático
À medida que as temperaturas sobem, a disputa sobre a renovação do Acordo de Utilização do Estádio Cidade de Coimbra aquece o verão conimbricense. A Rádio Universidade de Coimbra mergulha na cronologia deste dossiê acalorado.
Depois de dois anos de intensas negociações e numerosos capítulos nos bastidores, a disputa entre a Câmara Municipal de Coimbra e a Associação Académica de Coimbra/OAF (AAC/OAF) parece ter alcançado um impasse que poderá ser difícil de ultrapassar.
A Cronologia:
A saga começou a aquecer no verão de 2023. Em 19 de junho desse ano, a Câmara Municipal de Coimbra decidiu, por unanimidade, opor-se à renovação do Acordo de Utilização do Estádio Cidade de Coimbra. Segundo a Autarquia, as condições do acordo original de 2004 precisavam ser revistas à luz da legislação atual, com o objetivo de exercer uma maior supervisão sobre a utilização do equipamento.
Neste sentido, a Câmara Municipal, liderada por José Manuel Silva, contratou Pedro Costa Gonçalves, sócio da Sociedade de Advogados Morais Leitão e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para elaborar um parecer sobre o enquadramento jurídico da concessão do Estádio, nomeadamente sobre a “Cedência gratuita da utilização do Estádio Cidade de Coimbra à AAC/OAF”. Com base neste parecer, foi elaborada uma proposta de minuta de Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo.
De acordo com o parecer de Pedro Costa Gonçalves “não sobram dúvidas de que a cedência gratuita de equipamentos desportivos tem de se efetivar através de contratos programas de desenvolvimento desportivo“, nos termos do Regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo.
Nos termos desta lei, os apoios ou comparticipações financeiras atribuídos pelas federações desportivas aos clubes, associações regionais ou distritais ou ligas profissionais, nelas filiados, “são obrigatoriamente titulados por contratos-programa de desenvolvimento desportivo”. No âmbito da mesma lei, os actos de cedência gratuita “do uso ou da gestão de património desportivo público, são condicionados à assunção por estas de contrapartidas de interesse público.” Ou seja, quando o uso ou a gestão de património desportivo público (neste caso, o Estádio Cidade de Coimbra) é cedido gratuitamente, é necessário que a entidade que o receba assuma compromissos que beneficiem o interesse público.
AAC/OAF deve assumir obrigações de efetuar contrapartidas de interesse público, afirma Pedro Costa Gonçalves
Do parecer do professor e advogado, resultaram, resumidamente, as seguintes conclusões: A Câmara Municipal de Coimbra pode:
- Atribuir à AAC/OAF, por acordo de cedência gratuita, direitos de utilização e de rentabilização do Estádio Cidade de Coimbra, enquanto equipamento desportivo;
- Além dessa cedência, o Município pode vir a conceder apoios financeiros à AAC/OAF, na forma de cedência da utilização e da exploração de espaços afetos a atividades comerciais e de serviços;
- Em troca da cedência ou do apoio financeiro, sob qualquer forma, a AAC/OAF deve assumir obrigações de efetuar contrapartidas de interesse público, as quais não podem apresentar qualquer conexão com a eventual participação daquele organismo em competições de natureza profissional.
2024: Um Ano Decisivo
Em 11 de junho de 2024, o Município enviou à AAC/OAF a proposta de minuta. Porém, a AAC/OAF rapidamente respondeu no dia seguinte, solicitando uma reunião urgente devido à complexidade do documento.
“[o] interesse da Câmara Municipal na realização de eventos de interesse público no estádio ser salvaguardado com a imposição aquando da realização desses eventos estarem os mesmos livres para a respetiva utilização, sem qualquer ónus (o direito de preferência que foi negociado nos concertos dos Coldplay).”
Esta reunião não resolveu todos os problemas. Em 21 de junho de 2024, a AAC/OAF apresentou uma contraproposta, sugerindo alterações que consideravam necessárias. O Município respondeu em 3 de julho com uma versão atualizada da minuta. Insatisfeita, a AAC/OAF continuou a discutir pontos críticos como a gestão dos camarotes e a utilização das receitas dos espaços comerciais do estádio.
Na opinião da Académica, o “interesse da Câmara Municipal na realização de eventos de interesse público no estádio ser salvaguardado com a imposição aquando da realização desses eventos estarem os mesmos livres para a respetiva utilização, sem qualquer ónus (o direito de preferência que foi negociado nos concertos dos Coldplay).”
Ao mesmo tempo, a Académica referiu que não percebia qual era o “fundamento legal para que a Académica não possa promover eventos/espetáculos não desportivos”, tendo afirmado que o clube está disponível “para que os grandes eventos musicais que a AAC/OAF consiga atrair para Coimbra sejam organizados em parceria com a CMC e que a CMC, aquando da divulgação pública, seja a entidade de destaque.”
Reunião Decisiva: Académica não jogar campeonato profissional é circustância contigencial
A reunião mais recente, realizada a 15 de julho de 2024, teve como um dos principais pontos de discórdia a utilização das receitas resultantes da gestão dos espaços comerciais do Estádio Cidade de Coimbra.
A AAC/OAF argumenta que o Clube não disputa, atualmente, uma competição de natureza profissional, um argumento considerado pela autarquia como uma “circunstância contingencial, que, para além disso, poderá alterar-se no futuro, caso a AAC-OAF volte a subir de Divisão”.
“[Académica estar na Liga 3 é] circunstância contingencial, que, para além disso, poderá alterar-se no futuro, caso a AAC-OAF volte a subir de Divisão”.
O clube liderado por Miguel Ribeiro manifestou a intenção de plasmar no Acordo a possibilidade de a AAC-OAF alocar o remanescente das receitas (resultantes da gestão e rentabilização dos espaços comerciais) para outros fins que não necessariamente a conservação e manutenção do Estádio. Uma ideia que a Autarquia rejeitou liminarmente.
O Impasse
Apesar das negociações contínuas, o Município de Coimbra mantém a sua posição inicial. Segundo a Câmara, a lei vigente impede a atribuição de apoios financeiros a clubes desportivos que participem em competições de natureza profissional. Embora a AAC/OAF insista que atualmente disputa apenas competições amadoras, esta é uma questão que poderá mudar caso o clube regresse a divisões superiores.
A AAC/OAF, além de participar na Terceira Liga, desenvolve atividades com escalões de formação e futebol feminino. Perante isto, na perspetiva da CMC, há uma potencial margem negocial para que as receitas comerciais possam, eventualmente, ser canalizadas para estes fins amadores, algo que não é considerado “suficiente” para a direção liderada por Miguel Ribeiro.
A reação pública do Clube de Coimbra
Numa nota divulgada no dia 20 de julho de 2024, o clube liderado por Miguel Ribeiro revelou que continua “empenhado” em conseguir chegar a um consenso e que marcará uma assembleia geral extraordinária, depois de estabilizado o contrato, para que os sócios se pronunciem sobre o mesmo.
O desenrolar deste impasse promete deixar marcas no cenário desportivo e político de Coimbra. A Rádio Universidade de Coimbra continuará a acompanhar todos os desenvolvimentos desta história que promete aquecer o verão conimbricense.