AAC/OAF perde receitas do ECC: o que muda com o novo contrato de gestão do estádio
Documento que vai ser discutido esta segunda-feira prevê que valor das rendas do estádio não possam ser usadas para despesas do futebol profissional. Comparativamente ao contrato firmado em 2004, proposta da CMC desfavorece a Briosa.
Em 2004, em plena febre do Europeu desse ano, o Município de Coimbra e a Associação Académica de Coimbra/Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF) formalizaram uma proposta de contrato que definia os termos de cedência do novíssimo Estádio Cidade de Coimbra.
20 anos depois, envolta em muita polémica e discussão, a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) pretende alcançar um novo acordo para substituir o contrato anterior. Sem surpresa, contrato introduz várias alterações e esclarecimentos essenciais para a utilização do espaço. A RUC teve acesso aos documentos e faz uma comparação destes, destacando as principais diferenças entre os dois contratos.
Contrapartidas de Interesse Público
Comecemos pelo ponto mais controverso deste novo contrato. Estipula-se que as receitas provenientes da gestão comercial de espaços e dos naming rights do estádio devem ser exclusivamente utilizadas para a manutenção e conservação do ECC, excluindo a aplicação destes fundos para financiar atividades desportivas da AAC/OAF.
Este é sem dúvida o ponto “mais quente” do novo contrato, pois as verbas provenientes das rendas da gestão comercial do Estádio “não podem ser aplicadas em circunstância alguma, para financiar custos ou encargos relacionados, direta ou indiretamente, com a sua atividade desportiva”.
Este ponto é fundamentado pelo parecer solicitado a Pedro Costa Gonçalves, sócio da Sociedade de Advogados Morais Leitão e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC). Este parecer, pedido pela CMC, versou sobre o enquadramento jurídico da concessão do estádio, nomeadamente sobre a “Cedência gratuita da utilização do Estádio Cidade de Coimbra à AAC/OAF”. Com base neste parecer, foi elaborada uma proposta de minuta de Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, que desencadeou neste contrato. Sem surpresa, a Académica mostra-se contrária a esta cláusula, pois impede a utilização das verbas da gestão do estádio para o plantel principal, retirando uma das principais fontes de receita do clube nos últimos anos.
De acordo com o parecer de Pedro Costa Gonçalves “não sobram dúvidas de que a cedência gratuita de equipamentos desportivos tem de se efetivar através de contratos-programa de desenvolvimento desportivo”, nos termos do Regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo.
Segundo a Câmara, a lei vigente impede a atribuição de apoios financeiros a clubes desportivos que participem em competições de natureza profissional. Embora a AAC/OAF insista que, atualmente, disputa apenas competições amadoras, esta é uma questão que poderá mudar caso o clube regresse a divisões superiores, argumenta a Autarquia. No entanto, na perspetiva da CMC, há uma potencial margem negocial para que as receitas comerciais possam, eventualmente, ser canalizadas para fins amadores (escalões de formação e futebol feminino), algo que não é considerado como “suficiente” pela direção liderada por Miguel Ribeiro. Sobre esta questão, pode ler: Futuro do Estádio: Académica e Câmara de Coimbra em Jogo Jurídico-Tático | RUC
Comissão de Acompanhamento e Monitorização
Este novo contrato introduz uma Comissão de Acompanhamento e Monitorização, ausente no contrato de 2004. Esta comissão será composta por representantes da Câmara Municipal de Coimbra e da AAC/OAF, com o objetivo de garantir a boa utilização e conservação do estádio. A comissão vai exigir documentação e relatórios regulares, com o objetivo de promover uma fiscalização contínua da gestão do Estádio. Esta Comissão tem como objetivo reforçar a supervisão, por parte da autarquia, do trabalho da Académica, colmatando uma falha identificada pelo atual executivo na gestão do estádio durante os últimos 20 anos. Como se pode ler nos documentos oficiais da CMC, o objetivo passa por permitir “ao Município de Coimbra acompanhar e monitorizar de forma mais efetiva, numa lógica de proximidade real, a utilização dada ao equipamento, de modo a garantir o seu bom uso, conservação e manutenção“, num claro “cartão amarelo” à forma como o Estádio foi gerido desde 2004.
Duração e Renovação do Contrato
Uma das mudanças mais significativas é a duração do contrato. O acordo de 2004 estipulava um período inicial de 10 anos, renovável automaticamente por períodos de 5 anos, salvo denúncia prévia. O novo contrato estabelece um prazo máximo de 4 anos, com possibilidade de renovação, mas sujeita a publicação oficial para surtir efeitos, trazendo assim uma maior flexibilidade e monitorização contínua.
Especificidade das Áreas Cedidas e Excluídas
O novo contrato é muito mais detalhado quanto às áreas do ECC que são cedidas ou excluídas da cedência à AAC/OAF. As áreas cedidas incluem o relvado, zonas de bancadas, camarotes, zonas técnicas (como balneários e a sala de controlo antidoping), a sala de troféus Vasco Gervásio, a loja da AAC/OAF, infraestruturas de cobertura e áreas para desenvolvimento de atividades comerciais. Por outro lado, as áreas excluídas, claramente especificadas no novo contrato, abrangem a pista de atletismo, balneários de apoio ao atletismo e o espaço destinado ao judo.
Obrigações de Manutenção e Conservação
Em termos de obrigações, o novo contrato introduz uma lista exaustiva de responsabilidades para a AAC/OAF. Neste sentido, o novo contrato inclui a obrigatoriedade de subscrever apólices de seguro para várias eventualidades, a responsabilidade pelo pagamento de consumos de água, eletricidade e gás, além da manutenção geral das infraestruturas. Esta clarificação de obrigações contrasta com o contrato de 2004, que referia de modo mais geral a manutenção e conservação das áreas cedidas.
Verbas
No contexto do novo contrato de cedência do Estádio Cidade de Coimbra à AAC/OAF, é importante destacar as várias fontes de receita que revertem a favor da AAC/OAF, conforme estipulado nas cláusulas contratuais:
- Receitas de Bilheteira e Quotização Suplementar Desportiva
As verbas provenientes da venda de bilhetes para todos os jogos de futebol em que a equipa principal da AAC/OAF se apresente como equipa anfitriã revertem diretamente para o clube
- Direitos de Comunicação Pública
A AAC/OAF também tem direito às receitas derivadas da comunicação pública dos jogos de futebol por qualquer meio, desde que os respetivos direitos estejam livres.
- Exploração Publicitária
As receitas provenientes da exploração publicitária dentro do ECC são outra fonte significativa de verbas para a AAC/OAF. Isto inclui qualquer tipo de publicidade nas áreas do estádio, bem como os rendimentos gerados especificamente pelo Megascreen.
- Exploração Comercial de Cadeiras e Camarotes
O novo contrato estabelece ainda que as receitas emergentes da exploração comercial das cadeiras e camarotes, quando estes são utilizados para a realização de jogos, revertem completamente a favor da AAC/OAF. Adicionalmente, estão contempladas as receitas dos “pouring rights, seat rights” e quaisquer direitos afins, os quais constituem também uma significativa fonte de financiamento para a associação.
- Eventos Desportivos
Finalmente, todas as receitas obtidas a partir da realização de eventos desportivos no ECC são destinadas à AAC/OAF.
Cedência a Terceiros e Organização de Eventos
Outra diferença notável é a clarificação sobre a cedência de utilização do ECC a terceiros. O novo contrato exige uma comunicação prévia de pelo menos 60 dias e detalha os direitos e obrigações tanto do Município quanto da AAC/OAF na organização de eventos por terceiros. Este aspeto no contrato anterior era tratado de forma mais vaga.
Neste sentido, a AAC/OAF fica obrigada, “mediante comunicação prévia do Município de Coimbra, a conceder gratuitamente, ao Clube União 1919 ou a outros clubes do concelho de Coimbra, o direito de utilização do equipamento desportivo – designadamente para a realização de jogos de futebol que se enquadrem no âmbito da atividade desportiva desenvolvida por estes clubes –, desde que as datas pretendidas não colidam com os jogos oficiais da AAC/OAF”.
É um regresso ao passado, pois o União de Coimbra tinha uma tradição de jogar no “antigo Calhabé” e mais uma indicação da perda de “peso da Académica” na gestão do Estádio.