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09.07.2024POR Maria Nolasco

As tranças soltaram-se e a poetisa do rock voltou a unir vozes – Jardins do Marquês 2024

Numa noite que se perfilava fria, Patti Smith aqueceu as almas de todos os que se juntaram para a ver e ouvir. Noite esgotada para assistir ao regresso da artista, poucos meses depois dos espetáculos em Lisboa e Braga. Desta vez em formato quarteto, para uma noite de muito rock, energia e mágoa transformada em arte. A locutora da Rádio Universidade de Coimbra, Maria Nolasco, esteve presente neste concerto arrepiante.

 

Com uma pontualidade exímia, a artista norte-americana subiu ao palco pelas 21h00, mesmo com as demoradas filas de público a tentar chegar aos seus lugares. Mas nem esta espera estragou o momento inicial do concerto, abrindo com “Summer Cannibals”. A energia era já palpável nesta plateia de 6 mil pessoas, em que não era possível definir a faixa etária predominante. A poetisa do rock levou miúdos e graúdos até Oeiras, ansiosos por cantar os temas apresentados. A questão que surgiu nas horas pós-concerto foi tentar entender o que torna o trabalho de Patti Smith transversal às diferentes gerações? Será o lirismo da artista, tão característico das suas letras? A verdade é que os temas fragmentários da sociedade continuam, e vão continuar, a preocupar as gerações, fazendo soar as vozes em uníssono. Numa declamação pujante, fomos relembrados de que esta nossa voz é importante, e que o poder é do povo. A ocupação do território da Palestina, e a vida do povo Palestino foi evocado neste poema cantado, com uma mágoa gritante:

“(…) Children of the strip. Children, hungry, starving. Watching their mothers and fathers broken hearts, their lands stolen. He called the children of the future and filled them with such sorrow. He said ‘Hello, children, hello. Come to me. Hello’.”

Mas a perda e a separação também reinam na arte de Patti Smith – não fosse um dos seus livros mais aclamados o “Just Kids”, uma memória do seu primeiro companheiro, e artista, Robert Mapplethorpe. Com o terceiro tema do concerto a funcionar como homenagem a Bob Dylan, cantando “Man in the Long Black Coat”, foi com a interpretação de “Summertime Sadness”, da norte-americana Lana Del Rey, que Patti Smith deixou cair a guarda e conseguimos notar a sua vulnerabilidade surgir por baixo do fato preto de estrela punk rock. Já com uma voz que parecia querer tremer, a artista recordou o seu marido Fred “Sonic” Smith que, como Patti Smith afirmou, será o seu eterno namorado. Antes de seguir o concerto com “Before the Night” – tema que compôs com Fred – Patti apresentou o seu filho Jackson, que a acompanhava a tocar guitarra. Se a perda e separação estavam fortemente presentes no alinhamento, a celebração da vida também. A partilha familiar do palco e a cumplicidade entre Patti e Jackson Smith adicionou uma camada extra de emoção e arrepio a cada música interpretada.

 

“About a boy” soou nas colunas do jardim, num momento dedicado a Kurt Cobain – assinalando-se 30 anos após o seu desaparecimento. Uma canção que parece ter sido escrita para este jovem artista, que Smith tanto admirava. Numa melodia continua, o quarteto prosseguiu para “Smells Like Teen Spirit”, um dos hinos dos Nirvana. Momento emotivo para os que estavam naquele recinto, já com o concerto a passar da marca dos 60 minutos. Patti Smith canta verdade, e não nos podia deixar ir embora sem nos fazer gritar uma última vez com os pulmões bem abertos. E voltamos à mensagem de força e esperança anteriormente lançada pela artista, fechando o concerto com “People Have the Power”.

 

As tranças de Patti Smith iam-se desmanchando ao longo do concerto, provando que continua a ser a artista rebelde e com uma força tremenda como a conhecemos. O cabelo é livre e indomável, tal como as suas palavras. As lágrimas corriam pelos diversos rostos da plateia, nesta emoção que foi ver o concerto de Patti Smith. Os apelidos para esta artista são muitos, e não sei qual escolher – poetisa/deusa/madrinha do rock. Contudo, atrevo-me a dizer que Patti Smith é a representação do sonho e da dor transformada em arte. Não importa a sua idade, porque o poderio das suas palavras e criação continuam a soar por onde quer que passe. Uma voz que não se vai calar e que não nos sairá da memória, tal como este concerto.

 

Fotografias por Maria Nolasco

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