Carlos Antunes: “Todos nós somos um grande objeto artístico vivo” [Na Festa da Arte]
Quando nasceu a Arte? Esta é uma pergunta que aparentemente não tem reposta, mas o diretor do CAPC explica que não é bem assim. Carlos Antunes acredita que o aniversário da Arte, deve ser celebrado
Para compreendermos como nasceu este dia, precisamos de fazer uma pequena viagem no tempo. Tudo começou durante as primeiras décadas do século XX, altura das vanguardas e neovanguardas artísticas, que apresentavam um fluxo artístico que influenciou fortemente esta organização.
Por essa altura, Ernesto de Sousa, um artista português, tinha uma ligação especial com Robert Filliou, um escritor, ensaísta e poeta francês. Após estudar muitos dos temas que envolvem o mundo da arte, em 1963, Filliou levantou a questão: Afinal quando nasceu a Arte? Que momento é este em que os homens passaram a querer ser artistas?
Sob a influência de Joseph Beuys, partiu do princípio que cada homem é um artista em potência e, assim, questionou-se quando teria aparecido o primeiro ser humano, já que ele está diretamente envolvido com a Arte.
Ora, nessa época a comunidade científica julgava que o homem tinha um milhão de anos. Portanto, concluiu que se o homem tinha um milhão de anos, a Arte partilhava a mesma idade.
Após a sua reflexão, Filliou tomou uma decisão, tal como nos explica Carlos Antunes.
A data ganhou escala e começou a ser celebrada em várias partes do mundo, incluindo Portugal, sob a organização de Ernesto de Sousa.
Em Coimbra a data antecipou os ideais do 25 de Abril em três meses, uma vez que foi celebrada pela primeira vez na cidade, em janeiro de 1974.
Todas as premissas que eram defendidas pela própria festa passavam pela liberdade do homem e defendiam-no como detentor do seu próprio destino. Todas elas ideias muito revolucionárias para a época, que desbravaram terreno para a revolução que ocorreu três meses depois.
Mas faltava um dia para marcar a celebração do aniversário. Filliou, como defendia que o homem em si, bem como as suas relações interpessoais eram arte, definiu que o aniversário passava a ter lugar no dia 17 de janeiro, dia do seu próprio nascimento.
A Anozero, a Bienal da Arte Contemporânea de Coimbra deste ano vai ter como um dos temas principais a celebração dos 50 anos do 25 de Abril. O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC) decidiu que o núcleo expositivo seria uma reflexão sobre esse tema.
O responsável defende que a Arte serve para levantar questões, mesmo que elas sejam incómodas. O “Fantasma da Liberdade”, tema da Anozero, serve para “refletir em torno de Abril, não só nos seus sucessos, mas também em torno das suas contradições e sobre aquilo que não se cumpriu”, explica Carlos Antunes.
Em relação ao contexto atual do mundo em que vivemos, o responsável defende que estamos no momento ideal para a continuação da produção da arte. Tomando como exemplo as manifestações artísticas produzidas no pós II Guerra Mundial, Carlos Antunes explica que foi durante esse período que a Arte foi mais apreciada.
“A Arte coloca todas as questões que nos inquietam e é fundamental nestes momentos; arte leva-nos às perguntas fundamentais e nucleares da nossa própria existência”, afirma.
“Esta é a festa mais anárquica que podemos imaginar. É uma festa de amigos”, revela o responsável. O programa passa por performances, concertos e intervenções poéticas. “Mas o fundamental é estarmos juntos a celebrar a vida. O espírito do aniversário da Arte é este voltar a ser criança, é a sensação de estar animado simplesmente por estarmos na companhia uns dos outros”, conclui Carlos Antunes.
Élia Ramalho, de 47 anos, é artista visual e é uma das pessoas que decidiram vir à festa de aniversário que se celebra hoje. Entre gargalhadas, conta porque decidiu comparecer no evento.
A festa vai estar em vigor até às 24 horas e promete ter como premissas principais a animação e o espírito de amizade coletiva.
Fotografias: Gonçalo Cordeiro