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31.12.2023POR Gonçalo Pina

Tomás Batista desenhou toda uma nova rede para os SMTUC: “Os novos eixos de procura que se criaram com o desenvolvimento da cidade deviam ser servidos”

Redução do número de linhas, melhor gestão dos recursos e melhor articulação com as atuais dinâmicas da cidade são pilares do projeto. Alteração faz-se acompanhar de mudança estética mais apelativa aos passageiros.

As críticas da população aos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC) não são raras e envolvem vários fatores. A frota envelhecida e incapacitada, a fraca qualidade do serviço ou a rede deficitária são alguns dos principais motivos de queixa dos passageiros, que ao longo dos anos têm progressivamente desacreditado os autocarros. Essa foi a principal motivação de Tomás Baptista, jovem lousanense de 20 anos que estuda Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa (UL), que decidiu desenhar uma alternativa. Não tendo sido a sua primeira aventura na área, afirma que tem sido a mais complicada, pelo que apenas falta acabar a apresentação do trabalho desenvolvido para poder dirigir-se à empresa (a reunião já está prometida).

Comecemos por olhar à extensão da linha. Das 18 freguesias do município, apenas três não são servidas pelos SMTUC: São João do Campo, São Silvestre e São Martinho da Árvore e Lamarosa. A proposta de Tomás Batista tenta fazer com que haja linha para todos, mas preocupa-se também com quem já vê os autocarros a passar à sua beira – “há várias zonas do município que são servidas, mas são mal servidas”. Como assim? Segundo Tomás, as linhas não se repensam há cerca de vinte anos e, por isso, não acompanham as novas dinâmicas da cidade. Este é o caso da zona de Chão do Bispo, que se tem desenvolvido bastante e que tem vindo a crescer em número de habitantes, mas que nem por isso tem hoje melhor oferta. Outra situação destacada é a do Fórum Coimbra, que só é local de passagem para três linhas – a ligação entre as duas principais superfícies comerciais da cidade (Alma Shopping e Fórum Coimbra, inaugurados em 2005 e 2006, respetivamente) não existe de forma direta, tendo que existir uma troca de linha na Baixa.

Premissa base da construção do novo plano é a integração do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM) e o fecho da Estação Nova, dando nova centralidade à Estação Coimbra B – embora com algumas dúvidas em relação ao encerramento do terminal ferroviário do centro da cidade, o jovem acredita que, com um Metrobus a funcionar bem e com uma rede de SMTUC devidamente pensada para o efeito, os efeitos do encerramento podem ser colmatados. Na atual rede, Tomás explica que a zona da Baixa e da beira-rio é um dos únicos pontos onde se pode fazer transbordo entre transportes. Passando essa pressão para Coimbra B, onde deve estar para nascer uma nova estação intermodal (que concentre também serviços hoje dispersos, como o terminal rodoviário ou a paragem dos autocarros da FlixBus), passa a existir um ponto único de onde os passageiros podem ser distribuídos para as mais diferentes linhas. A partir daí, é proposto um corredor de alta frequência entre alguns dos principais pontos de interesse da cidade, como são os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), a Solum ou o Fórum. Imagine-se a seguinte situação: “As pessoas vão ter um passe e que com esse passe conseguem apanhar um comboio nos Casais que passado cinco minutos está em Coimbra B. Cinco minutos depois têm um autocarro à espera que em mais cinco minutos chega aos Hospitais. Se calhar as pessoas começam a pensar em usar o transporte público”.  Hoje, as coisas são bem diferentes – “Uma pessoa que chegue a Coimbra B tem uma ligação direta aos Hospitais, que é a linha 29, mas antes disso tem de ir à Estação Nova, na Estação Nova tem que esperar que passe o novo horário e depois tem que fazer a volta toda pelo centro da cidade para poder chegar aos Hospitais.”

Das 110 às 70 linhas diurnas –  “Pode haver menos linhas, mas são linhas melhores, que fazem sentido, com mais frequências e com melhor gestão dos recursos”

São linhas a mais aquelas que servem o município, no entender de Tomás Batista. A redução das linhas não é, no entanto, sinónimo de reduzir a oferta – talvez até aumentem as possibilidades, uma vez que o projeto cria novas possibilidades e tem em consideração a complementaridade com o SMM. Para além da supressão e fusão de linhas que fazem hoje o mesmo que fará o metrobus – como acontece com a linha 29 – ou que fazem serviços semelhantes – existem muitas linhas que terminam o trajeto na beira-rio e na Praça da República, ao passo que os Hospitais, a Solum ou Coimbra B são o destino de muito menos autocarros -, considera-se também o fim das letras – partir em duas linhas diferentes (seria o caso do 14 e do 14T, que fazendo serviços diferentes, passariam a 14 e 15) ou manter o mesmo nome e apenas acrescentar no destino qual é a diferença no trajeto (em vez de 7 ou 7T, ter 7 – Tovim e 7 – Arnado – assim as pessoas já sabem que sentido cada um leva). Dito isto, o projeto investe-se em passar a servir melhor habitantes de zonas mais remotas da cidade. A solução? Ter estas linhas de menor procura a operar com minibus com mais frequência em horários estratégicos para poupar recursos – as linhas “são competitivas e benéficas o suficiente para as pessoas que vivem ali sentirem que têm um serviço de proximidade e que não têm necessidade do automóvel”.

Porque é preocupação constante dos estudantes, Tomás acabou também por se debruçar sobre o caso do Polo II, que é hoje “mal servido” pelos SMTUC – por exemplo, “Quantos estudantes que estudam no Polo II se deslocam para os lados de Santa Clara? Atualmente há uma linha que faz Santa Clara – Polo II, que é a linha 38. Mas de que me serve uma linha como a 38, que faz a ligação entre os dois sítios, quando na ida do Polo II para Santa Clara esta linha vai dar um volta completa à cidade (uma viagem que podia ser feita em 10/15 minutos é feita no dobro ou no triplo do tempo) e que depois deixa de fora os pontos importante de procura?”. Assim, a rede alternativa tenta responder às necessidades não só dos estudantes que veem a sua vida dificultada pela forma como funcionam hoje os autocarros, “mas também de todo o eixo de procura que há ali entre os vários pontos de interesse”.

O regresso à ideia da rede da madrugada – “Isto seria revolucionário na cidade e traria maior liberdade às pessoas de fazer a sua mobilidade”

A proposta não é nova e já tinha aparecido num estudo (cujos resultados foram conhecidos em 2016) encomendado pela Câmara Municipal de Coimbra à TREMNO. À época, o relatório elaborado considerava que há procura e que é importante que haja uma linha da madrugada, de forma a “trabalhadores noturnos e estudantes terem a oportunidade de terem um serviço que os levem com tranquilidade para casa e que não os deixe pendurado durante a noite toda”. Não só os mais boémios precisam de boleia para casa durante a noite – embora Tomás defenda que, enquanto na maioria dos dias a rede só deve operar com minibus, “terças e quintas académicas” devem contar com autocarros de tamanho normal -, mas também aqueles que ficam a estudar noite dentro nos mais diversos pontos da cidade ou que tenham outros afazeres e que depois não tenham transporte até casa. Assim, o jovem propõe três linhas diferentes a operar na madrugada: uma linha que faça Norte – Sul (comece em Ceira, passe no Polo II, faça a interceção com as outras linhas na Praça da República e termine em Eiras); uma que faça Este – Oeste (ligue toda a zona Ocidental (Casais, Espadaneira, S. Martinho do Bispo) à zona Oriental da cidade, passe pela zona do ISCAC e da Escola Agrária, pelos Hospitais, atravesse Santa Clara, passe pelo Fórum e depois entre no centro da cidade, passe a Praça da República e atravesse a cidade até à sua fronteira oriental, subindo na zona do Tovim e vire para Chão do Bispo, onde termina); e uma que faça um percurso circular dentro da cidade (comece e acabe na Praça da República, passando por sítios como a Estação Coimbra B, a Sólum, os Olivais, Celas, a Conchada, o Vale das Flores, o Bairro Norton de Matos etc. – uma linha que em 40/45 minutos faz uma volta completa à cidade e que passa por todos os pontos importantes).

O compromisso é com uma revolução total. Mudar o nome, o logótipo, a imagem, o mapa e mesmo o nome de algumas paragens – “Quando se querem fazer grandes mudanças, não basta haver uma mudança de rede […] para trazer a perceção às pessoas de que é a uma mudança a sério”. À semelhança do que aconteceu no Barreiro e em Braga, Tomás quer fazer cair os “SM” do nome dos SMTUC, fazendo assim nascer os TUC. A imagem, menos pesada, mas mantendo as cores do município, resulta de uma sondagem feita na rede social X (antigo Twitter) – espaço onde as ideias de Tomás ganharam espaço e por onde toda uma comunidade o tem incentivado a continuar e a fazer mais. O mapa dos SMTUC, agora vertido para uma versão interativa, deve passar a ter cores e a ter bem definidas as zonas da cidade, o que torna tudo mais fácil para os olhos dos passageiros – “Atualmente olha-se para aquele mapa dos SMTUC e não se percebe nada”. Quanto às paragens, o jovem explica que os pontos de referência de há 20 anos não são os mesmos de hoje e que os nomes devem estar em conformidade com os nomes das paragens do Metrobus – a situação é facilmente ilustrada com a paragem da Manutenção, que toma como destino a Manutenção Militar, embora esta se situe ao lado do Mercado Municipal, que é hoje muito mais facilmente identificável (e que dá nome à paragem do SMM).

“É importante trazer as pessoas para o processo, que não seja 100% burocrático”

Na construção da rede, Tomás Batista recolheu testemunhos e tentou perceber de que forma é que faria mais sentido desenhar as linhas de forma a melhor servir os habitantes. Na esperança de que, após reunir com a CMC, as suas ideias andem para a frente e ganhem espaço para poder ser implementadas, o jovem acredita na necessidade de haver feedback por parte das Juntas de Freguesia, uma vez que não há ninguém melhor que elas para saber as necessidades dos seus habitantes. Além dos contactos institucionais que acreditam que devam ser mantidos para aproximar as linhas das pessoas, deve ainda haver sessões de discussão que envolvam os passageiros no processo.

A entrevista na íntegra pode ser ouvida através do link acima ou no nosso serviço de Spotify.

(Fotografia: CMC)

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