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Primeiros dois dias de Semibreve atestam o legado do festival minhoto

A cidade de Braga voltou a ser assolada pela música eletrónica e artes visuais, para mais uma edição do Semibreve. A RUC rumou até ao Minho para acompanhar de perto este festival de sucesso. Os dois primeiros dias já deixaram marca, como contam.

Antes do resumo do segundo dia, repleto de concertos que comprovam a excelência do Semibreve, recuamos até à primeira noite. Clarice Jensen fez-nos subir até à Basílica do Bom Jesus, numa noite de nevoeiro e mística. O enquadramento era perfeito, com Clarice,  o seu violoncelo e pedais no meio, com o calvário de Cristo atrás. Uma imagem que conferia o dramatismo necessário ao concerto de estreia da artista norte-americana em Portugal. Balançando entre a luz e a sombra, Clarice trouxe uma sonoridade constante à Basílica, levando a extremo os sons proferidos pelos seus pedais e violoncelo. Num registo drone e composto por diversas camadas sonoras, a subida ao Bom Jesus tornou-se na forma perfeita para iniciar a 13ª edição do Semibreve.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

Num auditório praticamente repleto de entusiastas musicais, Inês Malheiro subiu a palco para apresentar o seu último longa duração, Deusa Náusea, editado em Outubro do ano passado. Ao longo de 40 minutos, ficamos completamente imersos no universo sonoro da artista bracarense que, desde a primeira nota, foi construindo as camadas que compuseram o seu concerto. Os temas de Inês atingiam-nos como ondas, com momentos de uma eletrónica minimalista mas que nos levavam até ao pico da ondulação mais forte, com camadas vocais e texturas tais que nos impedia de identificar cada uma. A voz da artista tem um quê de melancólico que, acompanhada pelos movimentos fluídos do corpo que Inês não repreendia, uma calma assolou o Auditório de São Frutuoso, com todos os olhos postos nesta voz caída do céu.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

O Auditório de São Frutuoso ainda abraçou mais um concerto, desta vez do produtor baseado em Londres, Nexcya. As composições de ambient eram complexas, com texturas sonoras que pareciam não ter fim – não fosse Nexcya artista sonoro. Para a criação destes temas, gravações de campo, noise e outras tantas texturas sonoras, foram unidas de forma exemplar, relembrando diferentes espectros da música eletrónica. Vagueando entre o experimentalismo e o ambient, o artista norte-americano demonstrou que consegue navegar entre um sound design agressivo e paisagens sonoras que parece que se abatem sobre cada um de nós, fazendo-nos navegar por um mar de emoções ao longo da performance.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

Mudando de local, mas mantendo a beleza dos edifícios da cidade, passámos para o mítico Theatro Circo para assistir à tão ansiada performance de Maya Shenfeld e Pedro Maia, apresentada no âmbito na Re-Imagine Europe, New Perspectives for Action. A relação entre o ser humano e as questões ambientais foram trazidas para o grande plano, uma chamada visual e sonora para o que nos rodeia e que parece que se está a desmoronar em câmara lenta. Começando de forma minimalista, com drone music, a nossa atenção prende-se logo para Maya no centro do palco e as imagens de Pedro na tela, captadas nas pedreiras de Estremoz. Com um build-up, passamos para uma parte mais noisy, até chegarmos ao clímax, com vozes corais e gravações de campo, adicionadas aos sintetizadores da artista. A par da banda sonora, as imagens de Pedro que, com a crescente introdução de diversas tonalidades de vermelho, adensam a sensação de estarmos a ser engolidos pela assustadora realidade que nos rodeia. De um mundo em declínio, onde nos sentimos pequenos e impotentes. As filmagens chegam mesmo a ser dramáticas, com abismos infindáveis e pedras com fios vermelhos, relembrando sangue derramado. O tom para a performance seguida ficou lançado, com finais trágicos que teimaram em não abandonar o Theatro nesta segunda noite de Semibreve.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

​​Eiko Ishibashi entrou no palco do Theatro Circo timidamente. A sua atuação, no entanto, ficou longe dessa timidez. Trouxe-nos a sua colaboração com Ryusuke Hamaguchi: o filme-performance GIFT. Durante pouco mais de uma hora, na tela, uma versão abreviada e sem som do mais recente filme do realizador japonês (que em 2021, ganhou Óscar de Melhor Filme Internacional com “Drive My Car”), “Evil Does Not Exist” (2023), conta-nos uma belíssima e trágica história sobre a relação do ser humano com a natureza, em que a ganância e prepotência chocam contra o ritmo e a vida natural das coisas. Em palco, Eiko Ishibashi manipulava as composições orquestrais que criou para o filme, alternando o computador e os faders com uma flauta transversal angélica. Entre clássica contemporânea minimal e jazz abstrato, a sobreposição de camadas harmónicas transformou-se na tinta com que Eiko nos pintou uma paisagem sonora que oscilou entre um impressionismo onírico que adensava a beleza natural da pequena aldeia de Mizubiki e um surrealismo quase sarcástico, que contrastava absurdamente com cenas de enorme violência emocional. Uma experiência de beleza única, comovente e dificilmente repetível, já que a tour que trouxe esta performance até ao Semibreve passará por pouquíssimos outros sítios. No final, as palmas e gritos no Theatro Circo não deixavam mentir: o sucesso foi estrondoso.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

Para abanar os espíritos e levantar humores depois da intensidade desta experiência, a plateia moveu-se em direção à Blackbox do GNRation para a atuação de Beatrice Dillon. Ao longo de uma hora, a produtora inglesa brindou-nos com uma smorgasbord de UK Bass e Techno desconstruídos, em que todos os detalhes do que compõe uma faixa eram postos debaixo de uma lupa e escrutinados até ao mais ínfimo detalhe sonoro. Na cascata de subs poderosos, stabs envidraçados e ritmos rasgantes, nada se repetia da mesma forma como no compasso anterior, mas tudo se entrelaçava de forma a criar uma maré de som hipnotizadora e que nos transportou por um wormhole no tecido espaço-temporal até ao final do concerto. Chegados ao outro lado, a sala irrompeu em aplausos.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

Posto o compasso de espera, entre atuações, Jack Adams aka Mumdance entrou para trás dos decks e decidiu pôr toda a gente com um sorriso na cara. Até ao fecho do GNRation, às 3h45, houve espaço para tudo. Começando nas BPMs mais baixas, andou pelo wonky, grime, speed garage e hard house. A velocidade foi subindo e, colando sempre tudo com o quatro-por-quatro do techno, acabou entre o jungle, o drum & bass e o happy hardcore, num set altamente dinâmico e tecnicamente irrepreensível, que encontrou coesão, por um lado, na seleção eclética – nos vários géneros musicais, fomos desde dubplates ainda sem lançamento até ao hino clássico de 1994 de DJ Demo “The Power of Love” – e, por outro lado, sobretudo, na energia divertida e feliz que punha todos a dançar música atrás de música. No final, palmas e assobios ensurdecedores: uma ovação conquistada e merecida, neste set que, mais do que tudo, soube a uma bonita carta de amor à música de dança feita nas ilhas britânicas.

Adriano Ferreira Borges / Semibreve 2023

Amanhã, voltamos para vos contar como tudo correu no terceiro dia desta edição do Semibreve. Até já!

 

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