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O templo amplificado do Porto – Amplifest 2023 – 9ª edição

A edição de 2023 do Amplifest não só foi um sucesso, mas foi a confirmação que festivais como este são importantíssimos nos circuitos nacionais. O voto de regresso em 2024 está já lacrado nas datas anunciadas para 9 e 10 de Novembro.

A antecipação pela edição de 2023 do consagrado festival Amplifest era palpável de norte a sul de Portugal desde que a primeira confirmação nos foi presenteada pela equipa do mesmo, o monólito de Sunn O))). Com bilhetes comprados nos 5 continentes, o Hard Club e a cidade do Porto alojaram pessoas de todos os corpos e vivências, todas elas que partilham o amor pela amplificação e por quem a artilha, o amor pelos decibéis foi o condutor de lealdade ao festival.

Warm-Up Oficial 22 de Setembro

As primeiras sessões foram na sexta-feira, dia 22 de Setembro, entre Serralves e o Ferro Bar. Com um tecido de Dark Ambient lacerado por Black e Drone Metal, o projeto lisboeta Candura aliado à instalação de Rui Chafes, inaugurou oficialmente o festival nos jardins de Serralves, e Mat Ball e DJ No Joy, faziam palco do Ferro Bar, deixando pronta a ânsia a descarregar para os dois dias seguintes.

A chegada em primeira instância ao Amplifest remeteu, tal como anos passados, para um espaço familiar. Caras conhecidas, velhos amigos e novas conexões que se ligaram nesta edição.

Em jeito de antevisão, Diogo Barbosa conversou com o fundador do festival, André Mendes acerca da programação desta jornada.

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Candura, Serralves, Amplifest 2023

Dia 23 de Setembro

Dentro do HardClub os concertos iriam seguir de forma rotativa entre o Bürostage e o Beer Freaks Stage. Esta estrutura de duas salas era já conhecida pelo público, que sabia que não iria enfrentar sobreposições.

O começo foi no Bürostage com Big | Brave. A banda canadiana tocou o álbum nature | morte na íntegra deixando um precedente para as atuações que se iriam seguir. Os decibéis, como de esperar, rasgavam por entre o público. Cada batida na bateria era sentida no peito. A voz sangrava pelas ondas sónicas. Quem já não estava convencido com o trabalho da banda, de certo que ficou rendido a imponência da parede de som que cada acorde gerava. Não haveria outra forma de ligar a potência do festival.

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Big | Brave, HardClub, Amplifest 2023

No Beer Freaks Stage, ecoava Ellereve. Com um álbum editado em Março de 2023, Reminiscence, a setlist foi preenchida com os singles do mesmo e também do anterior trabalho dos alemães. A presença em palco de Elisa, que protagoniza o projecto, foi o destaque, e o carinho que deu ao público não fica atrás.

De volta ao Bürostage, depois de um justo repouso, veio Ashenspire, a banda de Glasgow que apresentava com toda a energia possível o seu mais recente lançamento: Hostile Architecture. Este híbrido de Post Hardcore e Sludge tematizado com letras de repúdio à atmosfera opressiva do capitalismo, foi um abrupto explosivo, sempre conciliado com momentos íntimos que quebraram a barreira palco-público. Foi entregue na perfeição aos engenhos da voz de Alasdair Dunn, do titânico baixo de Ben Brown e do saxofone de Matthew Johnson, a sonoridade lembrava a ambiência fabril e o betão frio das cidades lapidadas em nome da industrialização.

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Ashenspire, HardClub, Amplifest 2023

O registo similar ao Post Hardcore deixado por Ashenspire foi complementado pela banda portuguesa Hetta. A sala que alojava o Beer Freaks Stage ficou cheia antes do início do concerto, o que se seguiu foi uma declaração pura de Emoviolence e Skramz, a banda radicada em Montijo trouxe uma descarga avassaladora de movimento a quem assistia ao concerto. Foram temas como Ritalin Kid o impulso de libertação de energia que não se imaginava ter.

Durante cerca de quarenta minutos de atuação, Alex Domingos fazia apelos ao público de subida ao palco, de abertura de mosh pit, não sendo possível a dinâmica de proximidade do público com a banda, o músico realizava viagens de crowd-surfing de uma ponta à outra da sala. Os vocais por Simão Simões, também baixista do grupo, juntos à guitarra e bateria de João Pires e João Portalegre, respetivamente, materializaram a vontade inata de retornar ao verdadeiro Post Hardcore. Os músicos falaram do seu percurso em entrevista à RUC.

Fotografia de Vera Marmelo do concerto de Hetta, HardClub, Amplifest 2023

No Bürostage chegavam as ondas radioativas dos americanos Mutoid Man, talvez um dos concertos mais antecipados pelo público do festival. A mistura energética do Metalcore clássico encheu a sala com um alinhamento variado – desde os primeiros trabalhos ao Mutants, o último álbum da banda, saído ainda este ano. O carisma de Steve Brodsky, Ben Koller e Jeff Matz era palpável e eles próprios admitiram-no: foram 3 semanas de tour, com o último concerto ali no Porto. Até mesmo após o caricato problema técnico no início do concerto, precisamente no começo do segundo tema, Mutoid Man não perde a energia, muito menos a comédia – fazendo deste concerto um dos destaques do festival.

Após uma breve pausa para recuperar energias, de regresso ao Bürostage, o momento foi dedicado para o Black Metal dos franceses Celeste. A sala estava completamente escura. O palco, ainda um pouco longe, era iluminado por lanternas vermelhas que estavam na cabeça dos membros da banda, que lançavam feixes de luz viajantes pelos olhos de quem os presenciava naquele momento. Um concerto fantástico – desde o último trabalho, Assassine(s), de 2022, aos primeiros trabalhos da banda. E para manter os ânimos, foi Hexvessel a trazer um pouco da montanha ao Beer Freaks Stage, a apresentar o álbum Polar Veil. Desde a indumentária à projecção utilizada, o som e a imagem misturaram-se numa demonstração de mestria musical.

Mas se havia uma banda cuja performance fosse a mais aguardada, seria aquela que se destacava na merchandise utilizada pelo público – os belgas Amenra. Um concerto a preto e branco, o Bürostage tornou-se num templo de catarse. A parede de som era implacável, a intensidade sonora da banda é quase impossível de descrever. A set list foi impecavelmente curada com temas do último trabalho, De Doorn, juntamente com temas das suas outras obras. Abrir o concerto com “De Dodenakker”, e ainda tocar temas como “Aorte Nous Sommes Du Même Sang” foi uma forma de hipnotizar os seus seguidores.

Ver os belgas em boa saúde, com a energia e a emoção à flor da pele foi um presente tanto para nós, como para o mundo. O público unido a cantar A Solitary Reign, com o headbang sincronizado, deixou marca na nossa memória. Todo o desfecho emocional que se sentiu pelas psiques presentes eleva Amenra no Amplifest 2023 a ser um dos concertos mais memoráveis e esperados. A RUC teve oportunidade de conversar com os elementos do grupo

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Amenra, HardClub, Amplifest 2023

E logo depois, no Beer Freaks Stage, Necro. Os portugueses misturaram uma hora de EBM perfeita para terminar a 1ª fase do festival. O segundo dia estava a uma noite de distância e a RUC recolheu-se na cidade notívaga a refletir no que se tinha acabado de experienciar.

Dia 24 de Setembro

Depois de uma noite merecida de descanso, o retorno ao Hard Club relembra-nos como o festival se mistura na vivência citadina. O sol era radiante e os turistas olheiros com chapéus de palha e de meia na sandália misturavam-se com o público do festival contrastando com as camisolas de grupos musicais que se viam de todas as formas e feitios.

Os concertos começaram com Hilary Woods no Beer Freaks Stage, com um concerto imersivo no limiar do Drone, misturando-se numa estética sonora soturna e íntima com a percurssão a cargo de Gabriel Ferrandini. À viagem hipnótica elaborada pelo seu hardware, acrescentou ainda guitarra e a sua própria voz. Um concerto curto, mas eficaz, que acabou por servir como entrada para o resto do alinhamento do dia. No Bürostage, tínhamos David Eugene Edwards, o lendário vocalista dos Wovenhand. David abria o concerto com um tema da sua anterior banda, 16 Horsepower, e prosseguiu para entregar uma hora de música – entre o seu primeiro trabalho a solo, Hyacinth, e também algumas faixas de Wovenhand – marcada principalmente pelo virtuosismo e pelo espetáculo visual, muito gabado por fãs e pelos restantes membros do público.

Fotografia de Vera Marmelo do concerto de Hillary Woods, HardClub, Amplifest 2023

Após uma breve pausa, ouvia-se Aeviterne e o seu Blackened Death Metal no Beer Freaks stage. A sala estava completamente cheia, e foi com dificuldade que se via a banda em palco. Aeviterne apresentou o seu trabalho de 2022, The Ailing Facade, que tinha sido bastante celebrado nos círculos de música extrema online. Aeviterne e Celeste foram um posicionamento vincado pela programação do Amplifest, uma entrega de peso e densidade de uma fusão de géneros musicais que tanto deram à comunidade de quem segue pelas fronteiras do som.

Sem demoras Divide And Dissolve subia ao Bürostage, uma das confirmações emergentes deste festival. Takiaya Reed e Scarlet Shred misturavam os sons circulares de saxofone com a guitarra e bateria incrivelmente densas, para mais de uma hora de Doom que envolveu todos que estiveram presentes na performance. O carisma e o carinho de Takiaya Reed e a ideia anti-colonialista e antifascista que a banda evoca, foram uma lembrança importante não só das lutas partilhadas por quem está do lado oposto ao opressor, mas também da importância do espaço musical como espaço de resistência.

Apesar da mensagem relevante, sentia-se e ouvia-se uma pequena parte do público que abandonava a sala com comentários reacionários, expressões estas que foram prontamente varridas pela música colossal entregue aos engenhos da dupla . O registo deste concerto está enquadrado numa tour incansável de apresentação do novo trabalho, Systemic, e ainda algumas faixas de Gas Lit. A atitude de proximidade e de partilha de espaço foi encontrada pela RUC numa entrevista conduzida por Diogo Rivers.

Fotografia de Vera Marmelo do concerto de Divide and Dissolve, Amplifest 2023

O Beer Freaks Stage tornou-se lugar de culto para Esben and the Witch, uma devoção de Neo-Folk e Post-Rock na voz quase sagrada de Rachel Davies, também baixista do projeto. Os temas e inspirações para a banda foram confessados à Rádio Universidade de Coimbra.

Outro zénite do Bürostage foi o concerto da banda canadiana KEN Mode, que em 2022 e também este ano, entregou de bandeja, dois lançamentos de peso através da Arttofact Records: Null e Void. 

A apresentação contou com o poderio inigualável de Jesse Matthewson na guitarra e na voz, Shane Matthewson na percussão e a violência do baixo foi preenchida por Scott Hamilton. Desde 2021 que a banda sobe aos palcos com Kathryn Kerr, que articula sintetizadores e saxofone numa mostra que transforma o Sludge e Noise Rock na variante de Hardcore sujo que é KEN Mode. Foi um dos concertos mais sentidos nos tímpanos dos festivaleiros onde temas como “He Was A Good Man, He Was A Taxpayer” arrastavam um público que iria ainda experienciar mais descargas sónicas cuidadosamente preparadas. 

Fotografia de Pedro Roque do concerto de KEN mode, HardClub, Amplifest 2023

Uma confirmação também do outro lado do Atlântico foi a dupla de Chicago, HIDE, com Heather Gabel e Seth Sher que materializaram a diferença no alinhamento do Amplifest 2023. Um dos únicos nomes na programação com foco na música industrial, que criou um ambiente de ânsia no Beer Freaks Stage. Inicialmente apenas com Sher em palco, em jeito de Noise rítmico, introduziu-se um segmento complementado por uma projeção visual que escalava até Heather aparecer em cena… foi aí que a entrada poderosa da performer criou silêncio, apenas a sua voz com eco realizava um pedido simples: No photos, no videos, put your phones away. Foi algum do público que desprezou a noção de consentimento e ao longo do concerto, o imperativo teve de ser repetido.

A transgressão a um limite imposto foi precisamente o tema do trabalho apresentado por HIDE, um concerto estroboscópico que trasladou por temas de Hell is Here, Interior Terror e ainda Black Flame. A performance incansável de movimento e som áspero submeteu os corpos que tentaram a transgressão através de temas que passavam para lá do íntimo. Foi uma das partilhas mais impressionantes desta edição.  

Desde a primeira confirmação do festival que se ouviu um rufar em presságio pelo país inteiro, atravessou outras fronteiras e juntou pessoas de todos os caminhos da vida para talvez uma das experiências mais importantes que se pode presenciar em palcos portugueses nas últimas décadas. Quando se fala de Drone Metal é impossível não falar dos mestres do género, Sunn O))) – e a adoração ao seu virtuosismo e importância dos mesmos no estado da arte é impossível de ignorar. 

Durante os concertos anteriores no Bürostage via-se, mesmo que escondidos, a marca lendária de amplificadores, e as expectativas subiam a cada minuto que passava. E mesmo antes do concerto, enquanto o palco se preenchia pelos mesmos (16 amplificadores Sunn, dividos em dois sets de 8 para cada membro respectivamente), ouviam-se já palavras de expectativa.

A dupla desencadeou duas horas de vibração causada pela quantidade monstruosa de poder amplificado criado por Stephen O’Malley e Greg Anderson. Foi uma autêntica batalha sensorial, o chão e as paredes do Bürostage entravam num efémero tremor. Stephen e Greg mantinham uma presença em palco imaculada, aliada ao uso da máquina de fumo e das luzes minimalistas que pareciam intensificar a atuação. Foram apresentados trabalhos que iam desde o celebríssimo Monoliths & Dimensions de 2009 até Life Metal, de 2019, passando também por Black One, concluindo numa celebração total do trabalho da banda, e também daquilo que os amplificadores e guitarras ainda conseguem fazer nos dias de hoje a um nível extremo. 

A parede sonora culminou num dos momentos mais bonitos do festival, os últimos trinta minutos criaram quase um nascer do sol artificial dentro do HardClub. O público estendia as mãos ao céu e os músicos abraçavam-se em palco. 

Dizer que o concerto mudou a vida de quem o pode presenciar poderá até ser uma descrição fácil de mais. Foi, certamente, um dos nomes do ano em Portugal, e não vai ser tão facilmente esquecido.

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Sunn O))), HardClub, Amplifest 2023

E para finalizar o fim de semana com uma chave de ouro, os lisboetas MAQUINA trancaram a programação. Uma das bandas mais procuradas no circuito nacional foi expectável no que toca à brutalidade da entrega sonora neste festival. A energia era palpável, e a mestria dançante que demonstraram em Dirty Tracks for Clubbing continua a ser surpreendente. A banda que já passou pelo Palco RUC esteve à conversa com Diogo Rivers.

Fotografia de Vera Marmelo do concerto de MAQUINA, HardClub, Amplifest 2023

A edição de 2023 do Amplifest não só foi um sucesso, mas foi a confirmação que festivais como este são importantíssimos nos circuitos nacionais. Desde a curadoria impecável, ao trabalho anual constante da equipa da Amplificasom, e sem esquecer sempre o cuidado, carinho e amizade demonstrados à Rádio Universidade de Coimbra. O voto de regresso em 2024 está já lacrado nas datas anunciadas para 9 e 10 de Novembro.

 

Os registos fotográficos utilizados neste artigo pertencem a Vera Marmelo e Pedro Roque, que com o seu olho e lente delicados, fixam na memória a 9ª edição do Amplifest.

 

Fotografia de Pedro Roque do concerto de Sunn O))), HardClub, Amplifest 2023

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