Ailson foi um dos destaques. Foto_ AAC/OAF
22.08.2023POR Gonçalo Pina

Jornada 3: A estrelinha ficou em Alverca

Empate deixa amargo de boca, mas nem tudo é mau. Desta vez os deuses não estiveram connosco e mesmo assim a Briosa conseguiu fugir a derrota que parecia profetizada.

Se na semana passada defendia que os deuses podiam estar connosco, o jogo deste fim-de-semana já me deixa com algumas dúvidas. Dizem que Deus escreve direito por linhas tortas, mas há sinais que tenho dificuldade em interpretar – por exemplo, quando, estando completamente por baixo na partida, um jogador da equipa visitante se lembra de pressionar o gatilho a bons metros da baliza e tem a sorte de só ver a bola parar nas redes da Académica, significa o quê? E quando o guarda-redes que está desde a primeira parte a tentar queimar tempo é presenteado com uma defesa milagrosa no último minuto de jogo, o que é que isto quer dizer? Enquanto não crente, devo dizer que o Vaticano podia apostar em melhores campanhas de marketing.

Ao início, olhar o banco adversário é ver o fantasma de um passado recente que vem para nos assombrar e lembrar que ninguém está cá para nos salvar, não fôssemos ficar demasiado iludidos com a vitória em Alverca. Não me interpretem mal, o epíteto de obreiro da descida à Liga 3 não fica bem a Pedro Duarte – quando chega a Coimbra já outros tinham cavado o buraco para que ele se pudesse enterrar também -, mas é impossível dissociar o técnico de más memórias, reforçadas por este episódio de fim de agosto.

Tiago Moutinho não ouviu o Prognósticos e deu asneira

Podia fazer a análise da primeira parte minuto a minuto, prendendo-me em cada passe e em cada erro, nos (poucos) remates que marcaram os 45 minutos iniciais, nas cavalgadas desesperantes e inconsequentes de Hugo Seco ou na fruta distribuída pelos jogadores do Amora (não sei se apenas ironia do destino ou se uma opção tática de manter coerência entre o nome do clube e o estilo de jogo). Mas não, não tenho paciência e penso que não seria interessante nem para mim nem para o leitor, que já sofreu o suficiente a acompanhar a partida no estádio e que desperdiçou quase uma hora da sua vida nessa lenta batalha que não ata nem desata. Deste início falarei só da teimosia de Tiago Moutinho, que fazendo uso de uma fórmula cujos resultados não são suficientemente proveitosos, continua a apostar no 4-4-2 sem grandes alterações. Tivesse sintonizado nos 107.9 FM ou em ruc.pt na passada segunda-feira, a partir das 21h00, e sabia que a solução não está aí e que a falta de conexão entre as linhas tem sido prejudicial à Briosa, que não tem permitido ao seu ‘cafetero’ o protagonismo merecido e pelo qual tanto tem lutado. Faz falta apostar num meio campo que dê outro músculo ao meio-campo e que consiga servir a frente de ataque com mais critério (obviamente que o treinador da Briosa sabe muito mais disto do que nós, mas continua a faltar qualquer coisa e prefiro acreditar que temos razão).

Saltando as aborrecidas incidências do jogo, que mais parecem um daqueles livros maçudos escritos por um qualquer cientista, investigador ou teórico que não domina a escrita, passo ao momento maior dos primeiros 45 minutos: ainda antes do apito do árbitro, as colunas do estádio romperam os cânticos da Mancha Negra (que são bem mais audíveis e intensos aqui em Taveiro, onde é mais fácil criar um ambiente hostil ao adversário) para convocar os portadores de determinados bilhetes a participar num concurso a decorrer durante o intervalo. Transportados para um autêntico jogo de NBA, assistimos a um halftime show dos trezentos, que dá outro colorido à festa do futebol e que distrai do paupérrimo espetáculo desportivo com que estamos a ser presenteados. Venham mais bacalhaus do Perea ou disputas por camisolas.

Um “filho da puta”, um PSP e o líder do PSD

Ao passo que a primeira metade foi fraca e sem sabor, a segunda teve muito mais que se lhe diga. Começa logo na substituição que o treinador da Académica promoveu ao intervalo: Hugo Sêco por Toki (não sei se as bancadas aguentariam muito mais a presença do lousanense). Depois, após algumas oportunidades aqui e ali da Briosa (que entrou muito melhor), segundo cartão amarelo mostrado a Filipe Maio deixou a equipa da casa em superioridade ainda muito cedo na partida. Diria que foi uma das primeiras (talvez das únicas) decisões acertadas de Bruno Rebocho, árbitro que permitiu muita porrada à formação do Amora (e muito pouca a Perea, que também não a sabe dar). Historicamente, as relações da Académica com a polícia (profissão exercida pelo árbitro quando não se disfarça de amarelo) não são as melhores – não é preciso ir ao Estado Novo para lembrar a repressão dos estudantes na luta contra as propinas ou na invasão do Senado da Universidade de Coimbra, em 2004 -, e este foi só mais uma capítulo dessa saga. A partir daí, o papel principal foi ficando nas mãos de Cléber Santana, guarda-redes do Amora. Sem jogar desde a temporada 21/22, o guardião brasileiro fartou-se de perder tempo de todas as maneiras e feitios: não fez amigos em Coimbra, onde as pessoas carinhosamente o apelidaram de “filho da puta” (insulto tão levianamente atirado em recintos desportivos e que se calhar merecia alguma reflexão). Do lado dos estudantes, a expulsão fez com que os jogadores passassem para cima e carregassem o Amora (e carregaram bem, como não se tinha visto nos jogos anteriores) com jogadas bem trabalhadas, situações de perigo e aquela bojarda de Toki que acertou no braço de Pedro Marques e a que o homem do apito fechou os olhos (nestes mais de 25 minutos, faltou apenas pontaria na baliza e na bola – isto porque foram muitos os pontapés na atmosfera).

Quem não marca, sofre – é o que nos diz a velha máxima do futebol confirmada sempre que existe oportunidade. Num dos poucos momentos em que se conseguiu libertar do sufoco, Luís Montenegro resolveu procurar (com sucesso) a baliza de Carlos Alves – que parece mal batido – e, consequentemente, gelar as bancadas do Sérgio Conceição (veremos se, de futuro, os analistas políticos não poderão traçar paralelismos entre este jogo e o percurso do homónimo do jogador do Amora que lidera o PSD). Perea não achou graça à brincadeira e rapidamente repôs a igualdade: após cruzamento largo do recém entrado Luís Henrique, o colombiano subiu mais alto que os defesas e bateu de cabeça para a baliza do tal “filho da puta”.

Até ao fim do jogo só deu Académica, mas não foi suficiente. Pouco se pode apontar aos homens da Briosa, que tudo fizeram para conseguir conquistar os três pontos, mas faltou a estrelinha da última jornada para poder levar de vencido o Amora, que soma assim o primeiro ponto da temporada.

Últimos 45 minutos deixam água na boca

Tendo em conta as falhas e não esquecendo que a Académica esteve grande parte do tempo a jogar com menos um, o trecho final do jogo foi provavelmente o melhor que vimos da equipa desde o início da temporada. Com um Perea muito mais capaz do que aquele que se apresentou ao serviço no primeiro jogo da temporada (melhoria que foi distinguida com o MVP RUC), um super Francisco Ferreira – que não tem recebido elogios suficientes nestas crónicas, mas que se tem revelado peça fundamental na Briosa 23/24 -, com a solidez de Vasco Gomes, Aílson, Tusso ou Stitch ou com os endiabrados João Silva e Toki, fica a ideia de que este plantel pode fazer muito. Chegar ao terceiro jogo consecutivo sem perder nunca ficando satisfeito é sinal de que este pode ser um bom ano (e a equipa técnica tem muito mérito nisso).

 

Foto: Facebook AAC/OAF

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