Semibreve 2022 – um dilúvio de música experimental
Depois de uma edição digital e de outra em formato reduzido, a décima primeira edição do Semibreve trouxe o festival de música eletrónica e de artes digitais de volta à sua plena forma. Durante quatro dias, um verdadeiro dilúvio de música experimental em Braga, com performances memoráveis em espaços igualmente impressionantes.
Aqui ficam os destaques da RUC e uma entrevista com Luís Fernandes e Rafael Machado, os programadores do Semibreve:
KMRU
Sediado em Berlim há vários anos, Kamaru surgiu no meio de uma nuvem de fumo tingida de laranja e preencheu o amplo Theatro com texturas densas e rasantes, próximas de Limen, o disco com Aho Ssan editado pela Subtext. O som massivo que nos colava às cadeiras foi-se desintegrando para revelar o mundo natural, ora com sons animais ora com cânticos de mulheres, mais característico dos seus trabalhos de ambient e field recordings.
François J. Bonnet & Stephen O’Malley
O encerramento das atividades do primeiro dia na sala principal do Theatro Circo coube a François J. Bonnet e a Stephen O’Malley. Já nos tínhamos cruzado com eles durante a tarde, quando ambos se juntaram ao editor e designer Bartolomé Sanson para uma conversa que teve lugar no Gnration. Para além da prática criativa abordou-se com grande destaque o trabalho levado a cabo pelo instituto INA-GRM, cujos estúdios acolheram as gravações e masterizações da primeira colaboração dos artistas em “Cylene”.
É inevitável não nos lembrarmos de SUNN O))) quando falamos de Stephen O’Malley, mas aconselha-mos a esquecer essa faceta do músico. Não podemos esconder que esperávamos mais da performance desta dupla e talvez o problema tenha vindo daí mesmo. O concerto começou sem pressas, todo o Theatro Circo ansiava pelo seu início enquanto Stephen acendia solenemente incenso. Criaram-se texturas e os músicos comunicavam entre si pelos instrumentos, do lado de François a conjuntura era mais frenética, pegava no baixo, voltava-o a pousar e mexia na sua maquinaria, enquanto que Stephen adotava uma postura mais serena, com o foco mais vincado na sua guitarra.
Gábor Lázár
Quem vinha à procura de clubbing em 4 por 4 estava com Lázár. O artista húngaro criou o momento mais violento do festival, perante uma sala cheia, presa entre o movimento e a imobilização. Acompanhado por um jogo incessante de strobes vermelhos e brancos, Lázar percorreu Source, álbum de 2020, onde explora a dança partida, desconstruindo e reconstruindo os tempos do techno, dubstep e 2-step.
DJ Kolt
Sábado foi também a última noite de atividades no Gnration, desta vez com a sonoridade tão reconhecida da Príncipe Discos. Xexa, DJ KOLT e DJ Marfox foram a cereja no topo do bolo para mais um dia tão preenchido. Infelizmente quando chegámos conseguimos apenas escutar os últimos acordes da performance de Xexa, que assumia o palco numa atuação live. A sua voz pareceu-nos ser uma forma digna de abrir a noite e o público mostrou-se muito satisfeito. O nosso destaque vai de forma unânime para DJ KOLT. Para além de DJ foi o hype man perfeito que elevou os níveis de energia para outro patamar – entre as suas escolhas musicais, dançava, ria e quando sentia necessidade não tinha vergonha de pegar no microfone e comunicar diretamente com a sua plateia dançante.
Alva Noto
O alemão apresentou UNIEQAV, álbum editado em 2018 na sua Noton. Repleto de enérgicas batidas padronizadas, este trabalho, parte de uma série de três discos, distingue-se do restante catálogo de Alva Noto por ser mais virado para a pista de dança. A cada momento de silêncio o público irrompia com assobios e gritos e ninguém conseguia parar de dançar nas cadeiras.
Malcolm Pardon
Sábado começou com mais uma “saída de campo”, desta vez para a Capela Imaculada do Seminário Menor, uma igreja com traços brutalistas e uma instalação de madeira que faz lembrar um enorme órgão. Foi aqui que Malcolm Pardon fez a estreia ao vivo de Hello Death, álbum lançado no ano passado. Num convite descarado à contemplação do espaço, Pardon foi entrelaçando notas de piano com crescendos harmónicos.
Caterina Barbieri
Temos que admitir que Caterina Barbieri foi uma das principais razões que nos levou até Braga, o seu trabalho discográfico tem sido destaque na RUC e a curiosidade de a ver atuar era imensa. A artista veio apresentar o mais recente projeto “Spirit Exit”, com a ajuda visual de MFO (Marcel Weber), que comandava com mestria as luzes, e de Ruben Spini, cabeça por detrás do resto da composição artística. De início ao fim da performance Barbieri foi o centro das atenções, assumia o meio do palco do Theatro Circo e para além do aspecto sonoro, comunicava também com movimentos delicados, porém precisos que controlavam toda a maquinaria. As paisagens que a artista nos proporcionou levaram-nos para um cenário de sonhos e superaram as nossas já elevadas expectativas.
Por fim, a entrevista com Luís Fernandes e Rafael Machado, programadores do Semibreve, gravada no último dia do festival:
Fotografias Semibreve 2022 / Adriano Ferreira Borges