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29.09.2022POR Tomás Cunha

Paulo Valério: “Ser pró-ativo numa situação de crise acentuada é um ato de gestão responsável”

Na semana em que a Académica / OAF entregou o pedido de insolvência junto do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, conversámos com Paulo Valério, especialista na matéria. O advogado sublinhou que insolvência não é sinónimo de morte e explicou alguns detalhes sobre o regime da insolvência.

As dúvidas e os anseios dos sócios e adeptos sobre o plano de insolvência anunciado em plena Assembleia Geral, têm dominado as discussões dos academistas desde a última sexta-feira. Esses anseios aumentaram com a entrega por parte da direção da Associação Académica de Coimbra / Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF) de um pedido de insolvência e reestruturação no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra. As dívidas do clube não deram outra hipótese à direção, tal como explicou Miguel Ribeiro em declarações à Agência Lusa.

O presente é dramático, de facto, e o estado das finanças económico-financeiras do clube exige o pedido de insolvência. Com oito milhões de euros de capital negativo, não tínhamos outra solução”, Miguel Ribeiro

Numa altura complicada dentro e fora do campo, muitas são as dúvidas sobre o futuro do clube.

  • Mas afinal de contas, o que é um plano de insolvência?
  • Quais são as suas consequências?
  • Qual vai ser o conteúdo do acordo?

Foram estas as perguntas que fizemos a Paulo Valério, advogado-sócio da Valério, Figueiredo & Associados (VFA – Associados) e Diretor Executivo da Associação Portuguesa de Insolvência e Recuperação de Empresas (APIRE).  O advogado conimbricense começou por explicar que a insolvência não é ao contrário daquilo que muitos pensam “sinónimo de morte da sociedade”. O especialista na área sublinhou que o “processo de insolvência não serve apenas para fechar a empresa.” Ou seja, nas palavras de Paulo Valério, a insolvência coloca o futuro da sociedade, neste caso a Académica, SDUQ, LDA, “nas mãos dos credores”. Deste modo, são os credores que decidem se a empresa é liquidada (…) ou se preferem que exista um plano, que pode assumir várias modalidades”, frisou Paulo Valério.  Esse plano deve traduzir-se num plano de pagamentos, que permita à sociedade insolvente continuar a sua atividade em condições financeiras mais favoráveis ao momento pré-insolvência.

São algumas as vantagens da entrada do processo de insolvência, nomeadamente a existência de um sistema de pagamentos faseado e a impossibilidade da entrada de processos judiciais contra a Académica por parte dos credores da sociedade. Naturalmente, um processo deste género envolve igualmente alguns riscos. Paulo Valério frisou desde logo o “risco reputacional e transicional” que um pedido de insolvência acarreta. No entanto, na opinião de Paulo Valério o maior risco é outro. O sócio da VFA Associados, recordou que os credores podem não aceitar o plano, e que tal rejeição ditaria a liquidação da sociedade. Todavia, Paulo Valério sublinhou que em “princípio ninguém avança para uma solução deste género, sem tabelar uma solução ou um princípio de solução junto dos credores”. Uma informação que bate certo com as declarações de Rui Sá Frias, vice-presidente do clube, que admitiu que estava muito confiante na aprovação do plano

Sobre os timings da entrada do processo, Paulo Valério não tem dúvidas que em casos de situação de crise, a melhor tática passa por tomar a iniciativa do processo: “Tomar a iniciativa de apresentar a um processo de insolvência o mais rápido possível é um ato de gestão responsável, porque é preferível essa a iniciativa do que ficar à espera de uma morte anunciada”, explicou o advogado conimbricense.

“Em princípio ninguém avança para uma solução deste género, sem tabelar uma solução ou um princípio de solução junto dos credores”

E qual vai ser o conteúdo do plano? Paulo Valério sublinhou que não conhece o plano em concreto, mas explicou as possibilidades mais comuns em processos deste género. A solução mais comum traduz-se num “mero plano de pagamentos”, onde os credores aceitam receber os seus créditos num determinado prazo (5 anos, 10 anos ou 15 anos). Dentro desta modalidade há ainda a possibilidade de nem todos os credores receberem o mesmo montante, verificando-se o pagamento a alguns credores na totalidade, enquanto outros só recebem uma parte (numa situação mais extrema podem até não receber nada). No entanto, para tal é preciso necessariamente garantir a aprovação do plano de insolvência e o cumprimento de algumas regras de tratamento igualitário entre credores, tal explicou Paulo Valério.

Neste campo, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) é bastante flexível, e por isso mesmo, o conteúdo do plano vai depender muito da “imaginação” de credores e devedores. Outras das possibilidades avançadas por Paulo Valério traduz-se num plano que corresponda à conversão dos créditos em capital social, tornando o credor acionista da entidade insolvente por via da aquisição desses mesmos créditos. Um cenário impossível neste momento em virtude do modelo societário do clube, mas que pode ser possível caso a Académica opte por uma mudança do seu figurino societário, de SDUQ (onde só existe um sócio) para uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD).

O pedido de insolvência deverá ter uma decisão judicial dentro de quatro a cinco meses, de acordo com Miguel Ribeiro. Caso seja declarada a insolvência, será aberto um prazo para os credores reclamarem os seus créditos, seguindo-se depois a apresentação e votação do plano de recuperação pela assembleia de credores.  A entrevista com Paulo Valério pode ser escutada na íntegra no nosso servidor de podcasts ou então no Spotify: basta procurar o programa Prognósticos.

 

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