Em ano de festa para a RUC, celebraram-se 30 anos do programa ‘Santos da Casa’ com emissões especiais a partir de Cem Soldos, do Festival Bons Sons 2022. Rita Brás aproveitou a ocasião para conversar com Cátia Mazari Oliveira, que dá palavra e corpo ao projecto ‘A Garota Não’. Uma conversa que viaja por diversas geografias, desde logo porque parte de Cem Soldos, é musicada em fundo pelo Grupo de Gaitas da Golegã e desenrola-se principalmente em Setúbal, da cidade industrializada que viu nascer Cátia à cidade com um movimento artístico onde hoje ‘A Garota Não’ encontra cada vez mais pares a reflectir artisticamente sobre o que os rodeia.
Entrevista feita após um concerto emocionalmente imersivo, marcado por punhos erguidos e lágrimas na cara de um público que se mostrou sempre alegre. Cátia Mazari Oliveira diz-nos que esse carácter positivo e construtivo é crucial, apesar do peso duro e politizado que imprime nas palavras que escreve e canta. Para a artista, o ponto fundamental da escrita é a esperança, através da crítica que não aponta o dedo ao outro, mas que indica antes um caminho. Um caminho, um entendimento, um exercício de comunhão, também assim podemos descrever o concerto que minutos antes havia dado no Palco Giacometti, um concerto com lugar “num universo muito particular e muito feliz”, diz-nos.
Durante a conversa pudemos descobrir o que a move artisticamente, o que a leva a fazer música e como a faz. Um fazer de carácter combativo, construtivo e positivo que é menos um recurso estilístico ou artístico e mais um exercício de humanidade, uma resposta libertadora e mobilizadora para aquilo que a preocupa, angustia e lhe tira a paz, dos acontecimentos mundanos e poéticos do quotidiano aos problemas maiores e políticos do social. Um percurso artístico que é diverso e guiado pelo coração e pela capacidade intelectual.
Assim percebemos melhor quem é e como o contexto sócio-económico de onde vem influencia o que faz. Cátia Mazari Oliveira cresceu em Setúbal, onde ‘2 de Abril’ é nome de bairro e, agora, de disco. Nesta entrevista pudemos, ainda, conversar sobre outros projectos que vão nascendo nessa zona suburbana, onde a arte se alimenta da realidade social e onde o rap é o veículo mais óbvio. Ainda assim, são cada vez mais e diversos os instrumentos artísticos de escrutínio daquilo que é social e político. Na música, relembrou-nos projectos como ‘Musuem Museum’ (Miguel Reis e Marta Banza), ‘Um Corpo Estranho’ (João Mota e Pedro Franco), ‘Tio Rex’ (novamente Miguel Reis e Marta Banza, com outros convidados), ‘O James’ (Tiago Morais) e outros ainda não conhecidos, mas muito comprometidos com a palavra politizada. Um movimento artístico que é sintomático do investimento na cultura em Setúbal, do qual Cátia Oliveira diz ter resultado uma subida de moral da população, que quer mudar com a cidade, que quer produzir e fazer arte. É este movimento artístico que, segundo a artista, rompe com a linguagem depreciativa associada a Setúbal. No entanto, há ainda muito a fazer para inverter esse monopólio discursivo e essa realidade de vulnerabilidade social, e parece-nos que poderemos continuar a contar com o contributo d’A Garota Não’ nessa (des)construção.
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