[object Object]

José Manuel Silva: «[Financiar a ADSE] é manter artificialmente vivo um sistema disfuncional e mal gerido»

Com a Queima das Fitas a dominar o ciclo noticioso da cidade, outros temas de Coimbra dominaram a conversa com José Manuel Silva. A competitividade agro-industrial da cidade, as relações do município com o governo central e o futuro da mobilidade em Coimbra estiveram em destaque no espaço de comentário do Observatório.

José Manuel Silva, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, foi o convidado do programa Observatório desta sexta-feira, dia 27 de maio. Com a cidade de Coimbra a aparecer no panorama nacional através do debate do Orçamento de Estado 2022 e o programa Europeu Food Corridors, a RUC explorou com o antigo bastonário da Ordem dos Médicos o impacto destes eventos na região.

«Andar a transportar produtos agrícolas ao longo de meio planeta tem custos energéticos brutais»

A conversa começa no tópico dos Food Corridors, que, como explicado pelo presidente da câmara, pretendem promover o consumo de produtos agrícolas locais” no sentido de  “agricultura sustentável”.  José Manuel Silva destaca que “nós devemos preferir os produtos locais, (…) não pelos nossos serem melhores ou piores que os outros”, mas “porque são locais e portanto não consomem energia no transporte”. 

Mesmo assim, o líder da coligação Juntos Somos Coimbra, adiciona que é normal que os produtos locais, sejam de onde forem, tenham normalmente mais qualidade tendo em conta a diferença da quantidade de tempo que demora a distribuição dos alimentos. Em termos autárquicos, José Manuel Silva diz que, o que se pode fazer é “estimular os mercados locais” e “facilitar o contacto direto do produtor ao consumidor”. 

Na continuação do tema dos mercados locais, o Presidente da coligação Juntos Somos Coimbra lembra que a câmara está empenhada na dinamização do mercado D. Pedro V, destacando que uma das medidas que vão “promover assim que possível” é transferir o local de atendimento da câmara municipal para uma zona do mercado D. Pedro V que pertence à câmara. José Manuel Silva justifica esta mudança dizendo que existe uma falta de espaço na câmara e que com um serviço camarário localizado no mercado, vai existir um maior incentivo para as pessoas comprarem os produtos locais. 

Quanto aos apoios que o governo pode dar aos trabalhadores do setor da agricultura, José Manuel Silva destaca a profissionalização dos agricultores e dos consumidores para o mercado dizendo que “se não houver concorrência (…) o produtor pode estabelecer o preço que quer (…) e o consumidor é que é prejudicado”. Adiciona ainda que é importante os agricultores se juntarem em cooperativas ou outros tipos de associação para se tornarem mais fortes.  

«Todos os dias batem à porta da Câmara [diversas associações, comunidades e grupos culturais]»

O atual presidente da Câmara Municipal de Coimbra comentou a aquisição de um edifício no centro histórico da cidade, iniciada pelo executivo anterior através do direito de preferência, onde atualmente está estabelecida a Loja dos Sabores da Região de Coimbra. Questionado acerca da pertinência dessa decisão e do tipo de trabalhos que lá se desenvolvem, José Manuel Silva demonstrou alguma discordância, visto que, apesar de entender que é necessária uma expansão física da CMC, relembra que o município já tinha outros edifícios ao seu dispor. O antigo Banco Nacional Ultramarino, que qualifica como «um edifício fantástico, ainda em muitíssimo bom estado» e, pelas suas características, poderia ser capaz de atrair investimento empresarial para a Baixa, fomentando o dinamismo económico local. Admite, ainda, que a recolocação no mercado do imóvel anteriormente referido foi ponderada, no início do mandato, mas tal já seria impossível, dado que o direito de preferência foi invocado com a promessa de ali estabelecer serviços camarários.

O presidente referiu as diversas obras e projetos que ainda estão a ser executadas para o aproveitamento deste tipo de edifícios, reiterando que, na Câmara Municipal «os funcionários trabalham quase em cima uns dos outros», sem que haja condições de trabalho suficientes. Por outro lado, a quantidade de associações, comunidades e grupos culturais que «todos os dias batem à porta da Câmara» também se assumem como principal prioridade do executivo, que pretende encontrar espaços-sede propícios ao trabalho e reunião destas coletividades, de forma a alavancar a vida cultural citadina. José Manuel Silva revelou que, um dos grandes projetos a candidatar ao Portugal 2030, é o da fundação da Casa das Comunidades, organismo a estabelecer no velho Hospital Pediátrico, após uma revitalização do edificado que se integra no complexo histórico do antigo Mosteiro de Celas . Pretende-se, desta forma, criar diversas residências artísticas e áreas de colaboração e diálogo entre as mesmas, solucionando os problemas de falta de espaços a que muitos grupos ainda estão sujeitos.

«[Financiar a ADSE é] manter artificialmente vivo um sistema disfuncional e mal gerido»

A conversa seguiu novo rumo quando o atual presidente foi interrogado acerca das suas perspetivas perante a colaboração do governo neste projeto, sendo o Estado o detentor do edificado e o principal provedor de financiamento para a reconstrução do mesmo. O entrevistado afirmou, sem hesitações, que «Até aqui nada tenho a dizer sobre este governo», acabando por ressalvar duas situações excecionais: a descentralização do poder e as responsabilidades das autarquias perante a ADSE. José Manuel Silva considera que o pagamento deste seguro de saúde pelos municípios é extremamente inconstitucional, realçando que a CMC suporta um custo de 1.1 milhões de euros associado aos funcionários públicos e que, no total dos concelhos, este valor dispara para os setenta milhões de euros, de forma a «manter artificialmente vivo um sistema disfuncional e mal gerido» que prejudica a própria instituição, incapaz de se modernizar, que prejudica as pessoas, que acompanham lentamente o apodrecimento do serviço e que prejudica os municípios, financiadores deste «saco azul», como o caracteriza o atual presidente da Câmara Municipal. O entrevistado entende que a concorrência se torna praticamente impossível, visto que os privados não conseguem apresentar o mesmo tipo de regalias que a ADSE, sendo necessária uma reformulação geral do serviço.

Perante as possibilidades de reestruturação deste sistema, José Manuel Silva entende que o ideal seria uma abertura generalizada a todos os cidadãos. Na sua perspetiva, a ADSE deveria prescindir de qualquer investimento estadual, visto que já é um serviço de subscrição voluntária para os trabalhadores públicos. Caso assumisse um papel semelhante a qualquer outro seguro de saúde, poderia fomentar a concorrência e a diversidade do mercado como «um estímulo à melhoria de todas as partes», assim entende o autarca.

«Quem está, ativamente, a retirar médicos do SNS é o Estado»

Como critica à atuação do Estado perante a crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o atual presidente assume que o modelo adotado, quer por governos de esquerda, quer por governos de direita, não tem ilustrado resultados satisfatórios visto que, enquanto a iniciativa privada na saúde é «distorcida», os funcionários e serviços dessas mesmas instituições são requeridos para servir o SNS, a custos muito mais elevados, nomeadamente a nível salarial. Dessa forma, perante as menores oportunidades e os salários mais baixos no setor público, o Estado vai perdendo os seus profissionais de saúde, sublinhou o entrevistado.

Perante o chumbo da proposta de alteração do Orçamento de Estado (OE) feita pelo Partido Social Democrata, relativa à inclusão de alíneas referentes aos contratos para a construção da nova maternidade em Coimbra, José Manuel Silva desvaloriza o sucedido, visto que, como a adjudicação da empreitada está prevista para o período 2023/24, não teria qualquer relevância incluir menções ao projeto no OE2022. O autarca  sublinhou que os prazos previsto já são públicos, bem como o concurso arquitetónico para a construção, não havendo qualquer razão para alarmismos envolvendo possíveis atrasos no projeto. 

«Eu não consigo perceber como é que o antigo governo camarário prescindiu de uma estação do MetroBus no Alto de São João» 

Quando questionado sobre a possibilidade de obras que estão atualmente em realização serem paradas ou adiadas pelo governo central, José Manuel Silva afirmou que quer “acreditar” e que tudo fará para que não haja “retrocesso” nas obras “que já estão a decorrer em projeto ou em concurso”. O atual presidente da Câmara Municipal de Coimbra lembra que, devido à inflação, subida de preços e à guerra da Ucrânia, nem todos os projetos que tinham datas previstas para este ano conseguiram chegar a esta meta, tendo em conta que a câmara teve que cortar 8 milhões de euros do orçamento no que toca a obras. 

Quanto ao Metro Mondego, José Manuel Silva anuncia que, mesmo que não seja no que descreve como “local ideal”, o Metro Bus agora vai ter uma estação no Alto de São João, realçando também outras mudanças no projeto do MetroBus como a transformação da paragem da praça 8 de Maio de “um beco” para uma “praça nobre” descrita como “desafogada, excelente, renovada” e a mudança da estação de Coimbra-B para uma estação intermodal, “moderna e de alta velocidade”.

No que toca à estação Coimbra-A, José Manuel Silva afirma que “quando as pessoas virem aquilo que vai ser a futura estação intermodal de Coimbra e a mobilidade e flexibilidade do MetroBus, rapidamente se vão esquecer da estação-A”. Para ocupar o espaço que agora é a estação nova, está projetada a criação do Museu da Língua Portuguesa, em paralelo com o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, que também tem lugar numa antiga estação ferroviária.

Em remate à entrevista, o tema da mobilidade leve foi suavemente abordado. José Manuel Silva lembra das recentes adições à cidade que são as bicicletas elétricas, afirmando que estas tornam “as colinas e planícies”. Mesmo assim, o presidente da câmara destaca que existe pouco espaço para a criação de vias exclusivas a bicicletas, que este mesmo diz querer mudar. 

A entrevista na íntegra pode ser ouvida através do link que se encontra no topo do artigo.

PARTILHAR: