Dirigentes de instituições académicas discutem o futuro do Ensino Superior
A governança das instituições de ensino superior, a composição dos conselhos gerais, as propinas, a concretização do PNAES através do PRR e o Processo de Bolonha foram alguns dos temas sobre os quais se debruçaram Maria de Lurdes Rodrigues e Pedro Saraiva.
A Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) organizou no dia 11 de maio, às 21h00, um debate sobre “O futuro do Ensino Superior”. O debate foi moderado pela RUC, pelo Jornal Universitário de Coimbra “A Cabra” e pela tvAAC através da Sala do Carvão da Casa das Caldeiras, mas os oradores – o ex-vice reitor da Universidade de Coimbra (UC) e atual diretor da NOVA Information Management School (NOVA IMS), Pedro Saraiva, e a ex-ministra de Educação e atual reitora do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), Maria de Lurdes Rodrigues – participaram à distância.
O assunto que iniciou o debate foi a composição dos conselhos gerais das universidades e dos politécnicos, aos quais compete, entre outras funções, eleger o reitor, como consta do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). O RJIES estipula que os conselhos gerais devem ser compostos por 15 a 35 pessoas e ainda que, do total de membros, mais de metade devem ser representantes dos professores e investigadores, 15% devem ser representantes dos estudantes e 30% devem ser personalidades externas à instituição.
“É insuficiente a representação dos alunos [nos conselhos gerais]? É excessiva a representação dos membros externos? Não sei dizer. Eu acho que nós precisamos de estudar e de avaliar” Maria de Lurdes Rodrigues
“O que eu acho acima de tudo é que se deve deixar a cada universidade e a cada escola decidir o que é que é melhor pra si” Pedro Saraiva
Para perceber se, por um lado, a participação dos estudantes nos conselhos gerais é insuficiente e se, por outro lado, a representação dos membros externos é excessiva, é necessário, segundo Maria de Lurdes Rodrigues, investigar e “retirar consequências” das investigações. Para a reitora do ISCTE, “o principal problema do RJIES é ele não ter sido avaliado” desde que foi instaurado. “Estava inscrito no diploma, não por acaso, que ele devia ser avaliado ao final de cinco anos”, recorda a ex-ministra de Educação. Há que “tomar decisões com base em conhecimento e avaliação”, refere.
Pedro Saraiva, por sua vez, salienta que a “falta de flexibilidade para ajustar [o modelo de governança e, por consequência, a composição do conselho geral] a cada caso concreto de cada universidade ou de cada faculdade” não cumpre com o princípio da autonomia estatutária das instituições de ensino superior previsto no RJIES.
Ainda quanto à composição dos conselhos gerais, o também ex-deputado do PSD não se manifestou sobre a representação da comunidade estudantil, mas afirmou que “é importante que haja membros externos a acompanhar e a aconselhar estrategicamente as instituições”.
“Acho que é importante, ao falar de propinas, discutirmos também que outros canais de financiamento estão à disposição das instituições” Pedro Saraiva
“Se o financiamento público por aluno fosse superior, as universidades não tinham necessidade de ter propinas tão altas” Maria de Lurdes Rodrigues
O debate prosseguiu para o tópico das propinas. Segundo Pedro Saraiva, para ser possível “praticar outro tipo de abordagens na definição de propinas sem reduzir nos níveis de qualidade” de ensino, é necessário que o Orçamento de Estado para a área da Educação aumente.
Quanto às propinas de 2º ciclo, Pedro Saraiva deixa claro que é “completamente contra a existência de tetos máximos”. “Nalguns cursos de mestrado, a valorização da frequência desses cursos legitima ter uma política de preços diferente daquela que tenho para alunos de licenciatura”, diz ainda o diretor da NOVA-IMS.
Maria de Lurdes Rodrigues defende, segundo diz, “como cidadã”, que “devia haver isenção total de propinas no 1º ciclo”, para “mais democratização no acesso ao ensino superior”. Porém, considera que as propinas são necessárias para “compensar o défice de financiamento público”. A ex-ministra da Educação explica que, enquanto “o financiamento médio por aluno nos países da União Europeia anda à volta dos 8000€ por ano”, em Portugal fixa-se nos 2150€ anuais.
Apesar de a reitora do ISCTE admitir que “as propinas de 2º e 3º ciclo são altas”, reitera que “neste quadro de financiamento não há outra forma de sobreviver e de manter níveis de qualidade a não ser deixar a autonomia das universidades estipular aquilo que é a propina de cada um dos seus cursos”.
“Agora vem o PRR e é uma esperança – há finalmente um instrumento financeiro que permite construir [camas em residências para estudantes do ensino superior]. Vamos ver se o financiamento é suficiente” Maria de Lurdes Rodrigues
“Eu diria que ele [o PRR] é madrasto do ensino superior, não trata bem as universidades” Pedro Saraiva
O debate também se voltou para o tema da ação social. Sobre o PNAES, Maria de Lurdes Rodrigues aponta que “ele não tem, desde o início, os meios financeiros para a sua concretização”. Ainda segundo a ex-ministra da Educação, “podem-se contar pelos dedos de uma mão, provavelmente, o número de camas que se construíram com esse plano”. No entanto, Maria de Lurdes Rodrigues tem “esperança” que o PNAES seja concretizado com “o instrumento financeiro que agora está disponível” – o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Pedro Saraiva, por sua vez, diz que o PRR devia “apostar mais em infraestruturas de qualidade do ensino superior”. Contudo, o ex-deputado do PSD também reconhece a possibilidade de o PRR melhorar “em muito o número de camas disponíveis e com rendas acessíveis”.
[Sobre o Processo de Bolonha em Portugal] “Muito pouco no ensino superior está adequado às necessidades de estudar em regime pós-laboral” Maria de Lurdes Rodrigues
“Eu acho que no Processo de Bolonha houve muitas coisas que evoluíram e bem, mas a verdadeira transformação da pedagogia ficou por fazer” Pedro Saraiva
No que toca ao Processo de Bolonha, Maria de Lurdes Rodrigues considera que um dos princípios que está por cumprir no ensino superior português é o da “aprendizagem ao longo da vida”. “A idade média dos estudantes do ensino superior em Portugal é muito inferior à idade média dos estudantes noutros países na Europa”, afirma. Para a ex-ministra da Educação, isto acontece porque o ensino superior português não está adequado às necessidades “de quem trabalha”. Uma das metas estabelecidas por Portugal no âmbito do Processo de Bolonha que também está por concretizar, segundo a reitora do ISCTEC, é “a articulação entre o ensino e a investigação”.
Já Pedro Saraiva refere que, na Europa e, em particular, em Portugal, “é preciso repensar o modo como se ensina”. Para o diretor da NOVA-IMS, é crucial “repensar o espaço, as metodologias de aprendizagem, a maneira como aferimos o sucesso pedagógico”, algo que, segundo diz, ficou por fazer no Processo de Bolonha. De acordo com Pedro Saraiva, a aula deve ser “um espaço de confronto de ideias, centrado em casos práticos, mais do que desbobinar um conjunto de materiais concetuais e teóricos que se aprendem muito mais facilmente por outras vias”.
“Há um outro problema: é que fala-se muito de sistema de ensino superior em Portugal, mas verdadeiramente eu acho que não há um sistema” Pedro Saraiva
“Não tenho pensamento sobre se os politécnicos podem ou deviam dar doutoramentos – há politécnicos que têm condições para o fazer e há universidades que estão fazê-lo com muito poucas condições. Acho que a qualidade das instituições é que devia permitir que elas fossem tão longe quanto possível” Maria de Lurdes Rodrigues
Pedro Saraiva ainda notou aquilo que considera ser outro problema do RJIES: “um politécnico quer converter-se numa universidade e uma universidade quer consorciar-se com um politécnico e o RJIES não deixa”. “Temos de tentar evoluir para consórcios regionais, os quais a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou há muito tempo que se fizessem em Portugal”, apontou.
Por outro lado, quando questionado se a oferta de doutoramentos deve alargar-se aos politécnicos, o diretor da NOVA-IMS admitiu que um instituto politécnico pode ter condições para doutorar pessoas, mas interrogou-se “se ele não devia ponderar evoluir para outra coisa, se essa é a missão e a visão desse politécnico”. Para Pedro Saraiva, as universidades têm que ter uma visão do ensino superior “necessariamente diferente” da visão de um politécnico, para não comprometer o sistema binário do ensino superior português.
Maria de Lurdes Rodrigues diz que é “defensora há muito tempo da necessidade de fazer uma regulação do sistema que incentive a diversidade de modelos organizacionais e a especialização das instituições”. No ponto de vista da reitora do ISCTE, “o que temos é um conjunto de instituições de ensino superior espalhadas pelo país que procuram fazer todas as mesmas coisas”. “Não há nenhum esforço de regulação que exija que as instituições se especializem naquilo em que são boas”, afirma, acrescentando que há “universidades que são muito boas numas áreas e menos boas noutras”. Da mesma forma, a ex-ministra da Saúde acredita que deve haver mais aposta na diversidade de modelos organizacionais das instituições de ensino superior.
O debate pode ser ouvido na íntegra através do link que se encontra no topo do artigo.