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53 anos da crise académica de 1969: Do “peço a palavra” ao “exijo a palavra” 

No dia em que se concretizam os 53 anos do início da crise académica de 1969, a RUC procurou recordar alguns dos principais movimentos académicos portugueses e destacar o peso que estes acontecimentos têm, ainda hoje, na sociedade.

Desde a sua fundação em 1887, é indiscutível o peso da mais antiga Associação de Estudantes de Portugal nos destinos do país. A luta estudantil, protagonizada por jovens sempre conscientes das dificuldades pelas quais o seu país atravessava, desempenhou um papel notável na luta pela liberdade dum povo que tanto sofreu com regimes autoritários durante boa parte do século XX.

1928 – 1956: “Decreto-Lei 40-900, um erro de cálculo do Governo”

Quando se fala de crises académicas, é normal situar-se nos anos 60, embora estas não se tenham cingido apenas a este período: no final da década de 20, com protestos contra a Ditadura Militar instaurada em 1926. E já com a instauração do Estado Novo, a eleição para a presidência da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) de Salgado Zenha, tornando-se o primeiro presidente eleito pelos estudantes durante o regime Salazarista.

No entanto, 1956 seria o ano que acabaria por criar maior alarido entre os estudantes, por via da publicação de um Decreto-Lei, o nº 40-900, que colocava as associações estudantis sob a tutela e fiscalização do Ministério da Educação Nacional, levando à governamentalização do movimento associativo estudantil. As ondas de protesto que se levantaram nas Universidades de Coimbra (UC), Porto e Lisboa permitiram que, pela primeira vez, a Assembleia Nacional revogasse um decreto governamental, como diz Álvaro Garrido, professor catedrático e atual diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).

1962 – 1965: “A crise que fez nascer uma nova geração de oposição”

Dos anos 50 para os anos 60, foram diversos os motivos que contribuíram para um crescente movimento académico de contestação. Por um lado, inerentes às mudanças que a sociedade foi sofrendo, com o crescente acesso de novas camadas sociais ao ensino liceal e superior e o “Delgadismo” que se formou nas primeiras eleições de 1958. Por outro, uma Guerra Colonial sem fim à vista, em que a juventude era “carne para canhão”. É o que nos diz Fernando Rosas, historiador e político português, que viveu em primeira mão as crises académicas da década de 60.

E seria 1962 o ano em que esta agitação se sentiria em maior escala. A proibição do Dia Nacional do Estudante, marcada para dia 24 de março, por parte do ministro da Educação Lopes de Almeida, é a gota que faz verter o copo. Em Coimbra, reúne-se a 9 de março o I Encontro Nacional de Estudantes, apesar da sua proibição. Em resposta, o Governo ordena à reitoria um processo disciplinar contra os dirigentes da AAC e manda encerrar a sua sede. A 24 de março, com a proibição das comemorações do Dia do Estudante, iniciam-se protestos em Coimbra e Lisboa. As forças policiais respondem com cargas violentas sobre os estudantes e com a ocupação das respetivas academias. É decretado luto académico “até que se realize o Dia do Estudante. O Governo acaba por ceder, com a remarcação do Dia do Estudante para os dias 7 e 8 de abril. No entanto, surge uma nova proibição a 5 de abril, desencadeando uma nova onda de contestação, culminando a 10 e 11 de maio, quando as forças de segurança tomam de assalto a sede da AAC.

Três anos depois, em 1965, o regime manda a PIDE suprimir os maiores ativistas estudantis, sobretudo aqueles ligados ao Partido Comunista, resultando na prisão de muitos líderes do movimento. A politização entre os estudantes crescia a olhos vistos. É a primeira fase de politização do movimento estudantil.

1969 – 1974: Do “peço a palavra” ao “exijo a palavra” 

53 anos após a visita do então presidente da República Américo Thomaz para a inauguração do Edifício das Matemáticas da UC e do impedimento do uso da palavra do presidente da DG/AAC, Alberto Martins durante a sessão de inauguração, a crise de 1969, marca um dos mais famosos marcos dos movimentos académicos. Nesta altura o caráter politizado do movimento era já evidente. Os protestos e a greve às aulas desencadeados por este episódio levaram a que o Governo encerrasse a UC, prendesse e torturasse ativistas e dirigentes académicos. O Ministro da Educação e o reitor da UC acabariam por se demitir, mas vários estudantes seriam forçados a integrar as forças armadas, seguindo para a guerra do ultramar. Só em setembro desse ano terminaria a crise. Rui Bebiano, professor de história contemporânea na FLUC e atual diretor do Centro de Documentação 25 de abril, deixou uma reflexão sobre o impacto deste movimento.

Até ao 25 de Abril de 1974 o grau de politização do movimento estudantil iria crescer consideravelmente, levando mesmo a que na década de 70 se comece a perder a tradição académica que tanta importância teve na união dos estudantes durante as crises da década de 60, só retomando no final dos anos 70.

E agora?

Após o regresso da democracia em 1974, as lutas académicas focaram-se sobretudo na luta contra o aumento das propinas, com particular destaque para os anos 90. A luta passou a ser pela democratização do ensino superior, e a sua mais-valia para o desenvolvimento da sociedade portuguesa.

E agora? Os desafios dos estudantes são diversos: das dificuldades na entrada no mercado de trabalho, à habitação, à transição climática. Mas também uma AAC que atravessa um momento difícil: uma sede sem condições estruturais, que deixou de ter capacidade para abrigar as suas secções e organismos, os efeitos de uma pandemia, e a trágica morte de um presidente. Ana Drago, socióloga e ex-deputada do Bloco de Esquerda acredita que os problemas atuais “continuam a ser vocalizados pelos mais jovens”:

Por outro lado, há quem diga que há amorfismo nas camadas estudantis de hoje. Elísio Estanque, sociólogo e professor da FEUC não vê grandes movimentações no associativismo estudantil:

De uma forma ou de outra, os desafios existem, os exemplos também. Falta saber se o espírito irreverente das lutas académicas do século XX se irá refletir numa geração comodamente nascida em democracia.

 

Uma reportagem de António Monteiro. O apoio técnico esteve a cargo de José Martinho.

Foram usados excertos do colóquio “60 anos de lutas estudantis: Do passado ao futuro”, organizado pela cooperativa CULTRA, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra e o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. 

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