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Elísio Estanque: “O poder de Putin é mais provável que caia com um golpe de estado do que em eleições”

Estivemos à conversa com Elísio Estanque, professor da Faculdade de Economia e investigador do centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O tema de destaque foi o mais recente conflito a leste com a invasão pelas tropas Russas da Ucrânia.

Elísio Estanque, refere que uma das origens deste conflito, esteve na oportunidade perdida pelo mundo ocidental, União Europeia e a NATO, de, e após a revolução da praça Maidan e a deposição do presidente pró russo Viktor Ianukovich, promover um processo de democratização na Ucrânia e de afirmação da sua independência relativamente à pressão Russa.

“Desde ai falhou muita coisa”

O papel que a economia Russa e seus recursos naturais desempenharam na sua cooperação com o ocidente, nomeadamente a questão do gasoduto e do petróleo e outras riquezas naturais que a Rússia possui, foram decisivas neste processo.

Segundo o comentador, após a eleição de Trump nos EUA, ficou claro qual era a estratégia de enfraquecimento do ocidente por parte de Putin.

A hegemonia dos EUA, após a queda do muro de Berlim deu também alguns pretextos para que uma parte da opinião pública internacional vincasse a sua abordagem crítica daquilo que era e que são as pretensões imperialistas do próprio EUA. Contudo, segundo Elísio Estanque, não se pode pôr ao mesmo nível as duas potências.

Uma parte do mundo ocidental e da Europa não entendeu e não conseguiu fazer um balanço sério da experiência histórica do período soviético e da própria natureza do sistema dito socialista, que foi o gerador daquilo que veio a acontecer mais tarde, em que os Aparatchik do tempo soviético se transformaram nos oligarcas do período pós soviético. A corrupção espalhou-se em muitos dos países surgidos após o colapso da URSS, inclusive na Ucrânia.

“A Rússia é tudo menos uma democracia”

A diferença é que a Ucrânia, a partir de meados da segunda década deste século manifestou uma vontade clara de aproximação à União Europeia (UE).  A UE sempre respondeu a esta aproximação de forma tímida e atenuada. Por outro lado, observou-se um incremento do tom belicista do discurso de Putin e uma política interna que consistiu na alteração da constituição e perseguição da oposição. “A Rússia é tudo menos uma democracia”, disse o comentador.

Numa crítica à posição do Partido Comunista Português face ao conflito, Elísio Estanque referiu que uma parte da esquerda que teve durante algum tempo como modelo o modelo soviético, como o PCP, não conseguiu desvincular-se desse quadro de referência em termos ideológicos.

Quando o mundo se tornou unipolar com a hegemonia americana multiplicaram-se os fatores e motivos da opinião mais crítica do sistema capitalista que alimentou um ódio aos EUA e à NATO. Contudo isso não correspondeu a uma atitude política em prol da saída da NATO por parte de nenhum dos países que aderiram, e pelo contrário, observou-se a entrada de novos países vindos da antiga “cortina de ferro”.

Questionado sobre a sua frase numa rede social «Nesta guerra ou se condena “sem mas” o invasor ou se é objetivamente seu cúmplice», o comentador defendeu que quando o que está a acontecer é uma coisa com esta gravidade e dimensão de destruição de cidades inteiras, mortes de mulheres e crianças, atingirem-se escolas e hospitais, fica muito clara as mentiras ostensivas e o que isso representa em termos de provocação à Ucrânia.

Nestas circunstâncias basta que alguém tenha um sentido de justiça e defesa dos direitos humanos, “para que nesta fase, a nossa primeira atitude tem de ser de condenação ao invasor”. Há que estimular a onda de solidariedade que o mundo democrático está a manifestar para com os ucranianos e contestando a atitude belicista do invasor.

Apesar de defender a solidariedade para com o povo ucraniano e os refugiados desta guerra, Elísio Estanque não nega uma certa diferenciação positiva dos refugiados Ucranianos face a outras vagas de refugiados, nomeadamente do norte de África e médio Oriente, como os Sírios.

“O fato de na Ucrânia serem predominantemente pessoas caucasianas e iguais ao mundo ocidental, ajuda a que haja uma certa abertura na receção desses refugiados”

Segundo o comentador, isto resulta, por um lado da escala e do impacto comunicacional, e por outro, dos preconceitos de ordem racial e religiosa. “O fato de na Ucrânia serem predominantemente pessoas caucasianas e iguais ao mundo ocidental, ajuda a que haja uma certa abertura na receção desses refugiados”. No caso concreto da Ucrânia e Portugal , não é alheio o fato de haver uma forte comunidade de Ucranianos em Portugal, bem integrados.

Questionado sobre as soluções para o conflito, o comentador refere que há a probabilidade do conflito se prolongar. Tudo dependerá da resistência dos Ucranianos (cuja preparação para esta ameaça poderá ter um papel importante) e do apoio logístico e militar do ocidente às suas forças militares.

Se a população Ucraniana com os meios que tem conseguir resistir e evitar que os russos assumam o controlo total e generalizado do país durante mais umas semanas e se a contestação e sanções a nível económico contribuir para aumentar a contestação interna na Rússia, é possível que aconteça alguma alteração. “O poder de Putin é mais provável que caia com um golpe de estado do que em eleições”, finalizou o entrevistado.

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