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12.01.2022POR Pedro Nora

Cover de Bruxelas Sessions – Volume I

“Never judge a book by it’s cover.” No que diz respeito à apreciação artística, trata-se de um dos dogmas anglo-saxónicos mais difundidos por esse mundo fora, na medida que impõe o argumento idílico que o cerne da obra nunca deve ser menosprezado perante o elemento que salta primeiramente à vista. Contudo, em termos auditivos, a […]

“Never judge a book by it’s cover.”

No que diz respeito à apreciação artística, trata-se de um dos dogmas anglo-saxónicos mais difundidos por esse mundo fora, na medida que impõe o argumento idílico que o cerne da obra nunca deve ser menosprezado perante o elemento que salta primeiramente à vista. Contudo, em termos auditivos, a palavra “cover” acabou por ganhar uma aceção mais positiva dado que, pela via da reinterpretação musical, as notas revelam novas nuances e a composição em si ganha novo pulso e, por conseguinte, nova vida. Assim, ao invés de ser uma mera fachada superficial para a melodia, a cover – ou versão musical – é nada mais uma renovação de relevância da faixa musical, demonstrando ser no seu cerne genuíno como que um teste à qualidade musical dessa mesma faixa por entre vozes, instrumentalizações e até géneros distintos da original.

Por entre as circunferências criativas da indústria musical, tal conceito e subsequente cultura ligada à cover musical foi desenvolvendo enquanto filosofia de revisão idónea, bem como envergando um cariz algo anti-comercial. Aliás, esta prática ganhou raízes enquanto exercício radiofónico e foi maioritariamente no éter – assim como em lados-b de singles – que prevaleceu enquanto curiosidade recreativa, não obstante as lacunas doutrinais presentes em certas culturas no que diz respeito à remuneração monetária. Aponte-se como exemplo pontual o panorama norte-americano, onde é sempre o autor da versão original que é pago pelo tempo da antena em que a composição figura nas estações e programas radiofónicos, independentemente da popularidade que uma ou mais versões possam ulteriormente angariar.

Em 1996, Rui Ferreira e José Braga, no seguimento de investidas inspiradas como as Peel Sessions e antecipando outras mais mediáticas como o Like a Version, decidem deixar a sua marca nas páginas da história mundial da rádio ao criar o programa “Cover de Bruxelas”. Por detrás do trocadilho anedótico – tão comum no departamento de programação da Rádio Universidade de Coimbra – a emissão semanal não se propõe a dietas vegetarianas, mas traz um subtexto ecológico na sua apologia de reciclagem musical, com um espírito de desvendar visões alternativas de relíquias musicais do passado ou presente, sempre com um vislumbre aventureiro de revelar nomes eventualmente sonantes no futuro. Até porque muitas vezes uma banda promissora chama a atenção precisamente ao interpretar temas já conhecidos com cunhos particulares.

Volvidos 25 anos desde a criação do “Cover de Bruxelas”, Rui Ferreira prestou-se a demarcar as bodas de prata deste casório entre tradicionalismo musical com criatividade sonante, dando ímpeto a “Cover de Bruxelas Sessions – Volume I”. Com o selo da Lux Records (da qual o locutor é igualmente fundador e responsável), esta homenagem fonográfica ao programa da RUC – assim como ao saudoso José Braga, falecido em 2012 – é composta por trípticos revisórios, com as quinze faixas do disco a dividirem-se por cinco projectos sonoros distintos. Desta mão-cheia de nomes, quatro dos dedos são colectivos de índole nacional (D3O, Raquel Ralha & Pedro Renato, Birds Are Indie e Dirty Coal Train) enquanto o último – o suposto polegar, devido à distância – é Catenary Wires, banda britânica que advém de resquícios de bandas de culto como Heavenly e Tabulah Gosh.

Cada um destes grupos respondeu ao repto do volume inaugural desta iniciativa discográfica, ao gravar versões de três temas escolhidos criteriosamente, reinvenções essas assentes mais no conforto das respetivas identidades acústicas dos intérpretes que no desvirtuar propriamente dito das gravações originais. Apesar disso, é inegável o fulgor com que os músicos convidados renovam o interesse auditivo por êxitos ou raridades do passado. Ao conjurar tal alinhamento inusitado de temas revisados – onde, por entre os créditos autorais, figuram nomes tão sonantes quão díspares como Mel Tormé, Prince ou José Mário Branco -, “Cover de Bruxelas Sessions – Volume I” prova ser assim um testemunho ao quarto de século do programa homónimo, que ainda hoje decorre semanalmente na grelha da RUC, conquistando os ouvintes da sintonia FM dos 107.9 todas as quintas-feiras às 22h.

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