JazzNãoJazzPT: Crónica
O ‘JazzNãoJazzPT’ teve a sua primeira edição no dia 2 de outubro, em Coimbra. A RUC foi tentar perceber um pouco melhor o que é este não-jazz, e tirou apontamentos.
Numa entrevista de Rui Miguel Abreu com a banda Bardino, realizada em março deste ano no Teatro de Vila Real, o autor do programa de rádio Rimas e Batidas (Antena 3) aproveita a conversa sobre a existência de uma vaga de projetos de música instrumental produzida em Portugal atualmente para de forma discreta colocar a questão: “Há alguma banda ou par de bandas com quem vocês não se importassem de dividir o palco, por acharem que faria sentido?”. O baixista, num tom que soa ensaiado, sugere três nomes: Mazarin, Azar Azar e Yakuza. Os restantes membros da banda acenam com a cabeça, em concordância. “Temos que fazer um festival com essas bandinhas todas. Talvez esteja mais próximo do que vocês pensam”, conclui RMA. Spoiler alert.
Poucos meses depois surge a confirmação. Bardino, Mazarin, Azar Azar e Yakuza compõem o cartaz da primeira edição do evento ‘JazzNãoJazzPT’. Inicialmente programado para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, o céu do primeiro sábado de outubro chegou pardacento, e a chuva obrigou ao primeiro improviso do dia, por parte da organização. Cancelado no local num primeiro momento, acabaria por ser transportado para o recém-reativado Grémio Operário de Coimbra. Já à noite, o espaço que em tempos foi a sala de ensaios de José Afonso, encheu-se de público curioso para perceber um pouco melhor o que é este não-jazz.
Faltavam poucos minutos para as onze da noite quando Azar Azar subiu ao palco. O projeto de Sérgio Alves (teclados) deu início ao espetáculo, na companhia de Pedro Samuel (flauta transversal e saxofone), Pedro Ferreira (baixo), Manu Idhra (percussão) e Ricardo Danin (bateria), o caçula da formação. A solidez da secção rítmica permitiu aos improvisadores de serviço captarem as atenções do público, fazendo-se valer dos elementos cósmicos que caracterizam a sonoridade presente no EP ‘Azar’ (Monster Jinx, 2020). À medida que o concerto avança, a descontração dos músicos é progressivamente maior, havendo inclusive espaço para uns calduços entre percussionista e baixista, e o público vai-se deixando ser sugado para dentro da nave espacial estacionada no palco do Grémio Operário.
Os Bardino, sediados atualmente no centro comercial STOP, no Porto, traziam uma vez mais a lição decorada de trás para a frente. Ao trio base, composto por Rui Martins (teclados), Diogo Silva (baixo) e Nuno Fulgêncio (bateria), juntou-se o guitarrista convidado Leonardo Outeiro, reforçando a expressão eletrónica de contornos jazz que nos deram a conhecer no disco ‘Centelha’ (Saliva Diva, 2020). O grupo presenteou-nos com hooks orelhudos ancorados numa secção rítmica compacta. O set, encurtado pelas circunstâncias do evento, foi coeso da primeira à última nota, reafirmando a inexistência de uma qualquer relação entre quantidade e qualidade.
Os Mazarin, de Léo Vrillaud (teclados), Vicente Booth (guitarra), João Spencer (baixo) e João Romão (bateria), também trouxeram mais um reforço: Francisco Bettencourt adicionou sopros (saxofone e flauta transversal) em alguns dos temas do alinhamento. A ausência de backing track depositou na banda o total controlo das dinâmicas, amplificadas pela acústica amadeirada do espaço e pela reação em tempo real do público. O destaque vai para o momento em que bateria e sopros saem de cena por breves instantes. A formação completa é pouco depois reposta, e segue-se um segmento apoteótico em que são sentidas referências de semba e funaná, sobretudo nos riffs de guitarra elétrica.
Para os Yakuza tratou-se de um regresso a Coimbra, depois da sua última passagem pela cidade aquando da comemoração do 35º aniversário da Rádio de Coimbra, com um concerto filmado no interior da Estufa Grande do Jardim Botânico. O trio, composto por Afonso Serro nos teclados, André Santos (AFTA3000) no baixo e Alexandre Moniz na bateria, chegou acompanhado de Zé Miguel Zambujo no saxofone. Das quatro bandas, pode dizer-se que é a que mais se distancia dos códigos de conduta do jazz clássico. Aqui imperam o funk, o R&B e a roupa desportiva: calças de fato de treino, t-shirt do Manchester United e bolsa tipo banana ao pescoço. Esta foi, no entanto, a única oportunidade da noite para ouvirmos um tema swingado. “Queriam jazz? tomem lá um clássico”, diz o baixista, partindo para uma interpretação energética do tema ‘Picheleira’. Com espaço de sobra para solos de teclado, saxofone e baixo, a atuação dos Yakuza elevou a temperatura da sala no final desta edição do ‘JazzNãoJazzPT’, com o público de pé, a dançar, de copo na mão.
O espetáculo chegou ao fim já passava meia hora das duas da manhã, com uma ovação de pé da sala ainda lotada, dirigida às quatro bandas e à equipa técnica e de produção, que acabaria por ser o nome mais aplaudido da noite.
Esta edição do ‘JazzNãoJazzPT’ contou com o apoio da RUC.
Fotografia de Marcelo Baptista.