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22.04.2025POR Miguel Duarte

Tremor 2025: “Estou sempre à procura de algo que é leve”, a cinemática de luz e sombra de Keeley Forsyth  

O Festival Tremor regressou a São Miguel de 8 a 12 de abril, com concertos em lugares inusitados, pontos de escuta e conversação, projetos de residência, showcases e trilhos musicados. Na sua 12ª edição, um festival diverso e uma premissa de descontrolo: a várias coordenadas fizemos um rascunho de como seria cada dia, as distâncias, os projetos e artistas, o clima que poderíamos encontrar pelo caminho. Keeley Forsyth foi um destes primeiros encontros.

Ao segundo dia do festival, no Teatro Micalense de Ponta Delgada, um concerto que testou as dimensões da música a partir de um corpo e imaginário arrebatadores. Antes deste momento, a RUC conversou com a cantautora sobre a performance ao vivo, inspirações em lugares e o público português.

Música, compositora e atriz de Oldham,Reino Unido, Keeley decidiu afastar-se do cinema aos 40 anos, para priorizar a composição de um som minimalista que servisse uma voz há muito guardada. O seu primeiro álbum, “Debris“, nasceu de uma afinidade artística com o pianista Mathew Bourne, e o EP Hand to Mouth“, lançado no início do mês pela divisão 130701 da FatCat Records (Brighton, UK), marcou um regresso a esta colaboração.

Com composições elementares de piano e voz, surgiu como uma causa-efeito a “The Hollow“, o seu último álbum. “Todas as peças de música que faço e apresento por consequência informam as seguintes. “Quis fazer Hand to Mouth numa versão muito reduzida a voz e piano porque raramente o fazemos em palco, em The Hollow existia um secção muito silenciosa com a percussividade da voz e teclas, e gostei bastante. Estou interessada agora em querer rasgar com um microfone no bolso e no que cada sala oferece acusticamente aos teclados. É uma extensão nessa teatralidade, em que não preciso de nada, posso bater no peito e sentir que serve a música.” Quanto às histórias e apresentações deste novo trabalho, “aprofundo as mesmas personagens que existem desde “Debris”, mas são performances muito diferentes, ainda não fiz nenhuma centrada neste EP, sabes a personagem da mulher do radiador, do David Lynch (“Eraserhead“)? Há uma cena muito estranha e obscura em que o foco está no radiador e dentro está uma pequena mulher a cantar.”

Há um lado muito cinematográfico em “The Hollow”, de uma tela monocromática pintam-se paisagens sombrias – uma mina abandonada em North Yorkshire, o túmulo de Pina Bausch, um filme de Bella Tár. -, um set para um processo de auto-conhecimento e uma história de superação, também. “Quando esses sítios espelham a psique… vi este sítio de escuridão que gatilha um sentimento de medo, mas depois entras e sentes-te em casa. É uma sensação de descoberta, quando canto há uma parte da voz que me leva a esses sítios, e agora vivo com a paisagem e grutas de Yorkshire, que ligadas ao trabalho preto e branco de Bella Tár constroem esta estética. Fazes o trabalho que consegues. Faço música para sentir que tenho mais espaço para receber amor. Estou sempre a pensar em como melhorar os meus sentimentos, à procura de algo que é leve. Essa melancolia é um espaço reconfortante, mas trabalho sempre em relação a algo leve.”

A música de Keeley Forsyth surgiu muito cedo por uma familiaridade com o poeta, professor, músico e humorista escocês Ivor Cutler, figura excêntrica e discreta da televisão dos anos 60, motorista da Magical Mystery Tour dos Beatles e uma voz ocasional do programa de rádio de John Peel. É a partir de Ivor que chegou ao harmónio, um órgão de fole que serviu de base para os seus rascunhos de composições. “Não te apercebes da falta ou da procura das tuas pessoas, até ouvires. Ele foi uma das primeiras que senti que queria para mim, que me possibilitava a coragem para cantar, sem ser julgada. Não tinha ouvido nada semelhante ao que queria fazer. Uma das primeiras coisas que vi dele foi um vídeo em que tocava ao contrário, de uma maneira muito espontânea e muito dele. Arranjei também um harmónio para mim, senti que havia esta comunicação de artista entre nós e ganhei confiança para experimentar. Ele era também professor, vivia periferal e alternativo em todos os sentidos, não cresci com muitas pessoas assim ao longo da minha vida e agarrei-me a ele como um irmão mais velho.”

Este concerto é uma coreografia de movimentos simples e investidas inquietantes, tudo calculado e dedicado a amplificar a voz de Keeley Forsyth. O que significam afinal, estes gestos? “As mãos representam uma coisa muito normal e doméstica. Quando estou em palco, faço gestos como vestir roupa ou sentar-me numa cadeira de uma forma muito monossilábica e não performativa. É uma tentativa de usar as coisas que tenho e faço fora de palco. Sendo vocalista, este é o meu instrumento (corpo) por isso estou a lembrar-me do que se sente e se vê, não há um grande significado. Gosto muito da performance ao vivo, tudo tem de ser muito preciso, há uma razão por detrás da luz e do fumo. Como ainda não tenho o privilégio de trabalhar em residência, dependo sempre do trabalho de novas pessoas, uma colaboração que é interessante também. Mas estou muito consciente de como me movo e porquê. Não gosto quando sinto que é performativo ou entretenimento, se calhar de uma perspetiva de ator, tem que fazer sentido dentro de uma cena, cada música é uma cena, tem que haver uma razão se me movo para dentro ou fora da luz do palco. Gosto de estar dentro dessa caixa dedicada.”

O palco do Tremor foi o terceiro de Portugal. “As audiências são muito atentas”, confessa-nos a compositora depois de concertos na Culturgest (Lisboa) e Theatro Circo (Braga), “tocar muitas datas seguidas traz-te uma noção desta energia, de atenção”.

Uma ovação ao mundo de Keeley Forsyth,  que nos prendeu e afundou na plateia, uma física de movimentos coreografada ao ínfimo detalhe e contraste, colocando em “Tremor é amor” todas as vicissitudes deste sentimento.

“Espero que haja uma oferta de algo parecido com uma casa, de escuridão mas também de procura de luz. Nunca sei o que vou fazer em palco, surge em resposta ao sítio em que estou, este é um sítio muito particular. Estou a olhar para o mar e sinto a vida da água, está a passar-se muita coisa aqui, espero navegar em tudo, estou entusiasmada.”

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