Em poucas palavras se grita poder feminino | Kim Gordon no Capitólio
Conhecida pelo seu trabalho incontornável com os Sonic Youth, Kim Gordon veio até à capital portuguesa mostrar que esse capítulo está bem lá atrás, e que agora tem muito por contar. Em palco esteve “The Collective”, o seu mais recente trabalho, onde canta as suas dores e os temas que a perseguem na vida, tal como a masculinidade tóxica. A RUC esteve presente neste concerto, no passado dia 11 de novembro, para testemunhar este novo capítulo artístico de Kim Gordon.
Com uma sala esgotada, e no último concerto da tour europeia, a artista norte-americana subiu ao palco do Capitólio, num concerto promovido pela Galeria Zé dos Bois. Mas, antes de nos debruçarmos na artista que nos fez deslocar até à capital, é preciso dar o devido destaque à abertura do concerto. Zamilska, a artista e produtora polaca, trouxe os seus ritmos e batidas mais potentes para iniciar esta noite. Num set que durou meia hora, Zamilska mostrou que o seu trabalho vai muito para além do techno ou de outro género musical onde a queiram colocar. Talvez por ser o último concerto da tour, a artista apostou todas as fichas neste espetáculo, com os níveis de energia bem elevados. Ao techno juntaram-se influências musicais da Europa de Leste e do Oriente, com certos elementos de música industrial e de trip hop. Com sons mais dark e processados, Zamilska preparou a plateia para a recepção de Kim Gordon. Contudo, a espera pela artista ainda foi longa, levando o mesmo tempo que o set de abertura do concerto – meia hora.
Com uma camisa de cetim preta e uns calções de boxer, Kim Gordon surge em palco, após uma introdução visual no grande ecrã. Uma sala esgotada para receber a artista norte-americana, com expectativas de uma noite poderosa. “The Collective” foi o álbum que a acompanhou durante esta tour, um trabalho que mostra que Kim não tem medo de arriscar e unir novos mundos. É uma abordagem que une industrial, noise, trap e notas riscadas de glitch , resultando num som muito pessoal e passível de acompanhar cada um de nós por essas dores fora. Apesar de ser um trabalho que recorre a baterias processadas e sintetizadores, Gordon e as três artistas que a acompanhavam, conseguiram recriar o álbum ao vivo de tal forma que só conferiu ainda mais robustez ao mesmo.
A par do espetáculo sonoro com que a plateia foi presenciada, Kim Gordon apostou nos visuais que eram apresentados numa grande tela ao fundo do palco. Imagens de ensaios, da criação do álbum, e formas abstratas surgiam no ecrã. Imagens impressionantes e que adicionaram mais uma camada a este espetáculo. Os rosas, vermelhos, e os ocasionais azuis e verdes, abraçavam a sala que não descolava de Gordon que permanecia em frente ao seu microfone a cantar de forma, aparentemente, um pouco apática. Mas não, essa é a beleza da presença de Kim em palco. Não precisa correr de um lado para o outro, saltar e berrar para nos entregar tudo o que tem em palco. A sua poesia crua arrepia qualquer um, sentimos cada palavra que nos diz.
Apesar de um cansaço aparente, e que a própria artista confessou não estar nos seus melhores dias fisicamente, Gordon entregou tudo o que tinha neste concerto. Em jeito de despedida, regressou ao seu trabalho de 2019, “No Home Record”, e fechou o concerto com “Hungry Baby”. Contudo, as palavras proferidas ao longo do concerto, em cada uma das músicas do alinhamento, não nos saem da cabeça. Desde “I’m a man”, até “BYE BYE” e “Psychedelic Orgasm” mostram a dor transformada em arte de Kim, nome sonante da luta feminista. Durante uma hora, escapámos ao mundano para mergulharmos na realidade distópica criada por Gordon. Quando a última batida foi dada, saímos por aquela porta fora prontos para enfrentar as frustrações do dia a dia, com a banda sonora desta noite ainda a ressoar nos nossos ouvidos.