Inferno das Febras 2024: Esta não foi a Última Ceia
Entre os dias 30 e 31 de Agosto, o Inferno das Febras voltou ao Parque de Lazer de Casais, em Lousada. Com um alinhamento diversificado que representa várias gerações do underground português, essencialmente, está aí para ficar.
Os festivais são todos diferentes, e cremos ser das suas particularidades que eles vivem. O Inferno das Febras encerra em si algumas das coisas que podem fazer dele um lugar único. Em primeiro lugar, é de entrada gratuita e foca-se, do ponto de vista do cartaz, em mostrar o que se faz em Portugal no underground do Rock & Roll e Metal, representando vários géneros e várias gerações de músicos. Está aqui uma receita ideal para o público que aprecia estes estilos musicais sair em mais uma peregrinação do Rock e fechar a temporada, num local tão tranquilo como o Parque de Lazer de Casais, em Lousada. Para perceber um pouco como funciona tudo isto, estivemos à conversa com Cafi, um dos elementos da organização, que nos explicou como acontece o Inferno.
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Dia 1
No primeiro dia, ao chegarmos ao Inferno das Febras deparamo-nos com duas realidades distintas do ano anterior. As tendas e caravanas no espaço para campistas estavam bastante mais presentes que na passada edição, prenunciando uma maior presença de público, e as próprias condições melhoraram, com a introdução de chuveiros e mais casas de banho.
As caras conhecidas eram muitas e num instante o bom ambiente já estava instalado, bem antes da abertura de portas do recinto, às 16h. Muitas das pessoas presentes são do giro dos festivais e concertos de rock que vão acontecendo um pouco por todo o país. E o facto de o Inferno das Febras ser no fim do verão, faz com que seja um dos últimos momentos em que a comunidade, sempre muito fiel aos monges do rock, se reúna ao ar livre antes de voltarmos às salas que nos acolhem durante o inverno.
Mesmo à entrada do recinto encontrava-se um dos parceiros do Inferno das Febras, a Lousada Animal, uma Associação em regime de voluntariado, para a recolha, tratamento e proteção de animais abandonados. Logo a seguir o recinto onde decorreram os concertos. Sendo um local tão acolhedor, com uma ribeira que acompanha toda a zona, está o merchandising, que tinha artistas de tatuagem, artesãs de crochet, vendedores de discos, entre outras coisas, seguido da restauração, onde as febras fazem jus a uma das partes do nome deste festival. Como complemento, um grande espaço com árvores tortas pelo vento e mesas, muitas, que são um convite ao descanso e ao convívio.
Como mencionamos no início deste artigo, o Inferno das Febras privilegia sobretudo artistas portugueses, sendo também um espaço de networking, entre bandas, produtores, dj’s, etc. O início das festividades ficou a cargo do powertrio psicadélico de Lisboa, El Saguaro, que abriram o apetite para mais uma edição, onde já se notava uma presença acentuada de público. Cabe referir que em todos os festivais onde realizamos cobertura, a presença de pessoas durante os concertos da tarde foi bem maior que as edições de anos anteriores, e é de salutar esse apoio aos projetos que têm sempre a difícil tarefa de abrir um festival.
Logo a seguir tivemos o concerto de Desert Smoke, projeto de Lisboa que se formou a sonhar com o Sonic Blast, projeto que se concretizou. Com sets pensados para cada horário e público que tocam, proporcionaram um bom concerto de Rock & Roll, estando bastante mais sólidos. Ao fim de cinco anos a RUC esteve novamente a conversar com esta banda que já se lançou nas lides europeias.
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De seguida um duplo atropelamento proporcionado primeiro pelo punk rápido de Vürmo a encontrar o rock, com lives de bandas como os clássicos Motorhead, ou até Fugitive, olhando para o panorama internacional mais recente. Rápido, consistente e cheio de energia, eletrizou as hostes, sempre animadas pelo anfitrião, o monge presente em todos os momentos e locais do Inferno, e pontapeou-nos para o concerto de Borf. Se Vürmo já tinha abanado, Borf continuaram a toada. É impossível ficar indiferente quando se sucedem duas bandas com esta energia. Ainda bem que o Inferno das Febras tem a Pausa p’ra Febra, que permite um descanso merecido, depois de uma primeira parte em crescendo e a dar água na boca para a sessão da noite.
A abrir as portas do Inferno na primeira, quem tomou o lugar de Hades foram os Them Flying Monkeys, com uma proposta mais alternativa, o projeto de Sintra mostrou também malhas novas que irão estar presentes no seu próximo trabalho, o terceiro da sua carreira, que deverá estar disponível brevemente, em Outubro. Um concerto que abriu o apetite para a entrada de Process of Guilt.
Os Them Flying Monkeys contaram aos microfones da RUC como se sentiram surpreendidos por terem tido a oportunidade de pisar este palco.
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E por falar em Process of Guilt, projeto que conta já com mais de 20 anos de carreira e que vem demonstrar que o Inferno das Febras traz para o seu cartaz uma diversidade dentro dos vários estilos do Rock & Roll e do Metal, e diferenças de gerações que vivem no underground português. Com a estaleca para saber conduzir o público, foi concerto de casa cheia, poderoso, que contou logo a seguir com a presença, em jeito de corta sabores, dos espanhóis El Altar del Holocausto. Que não seja aqui mal interpretada a expressão “corta sabores”. Em primeiro lugar, pela questão estética, foram a única banda que subiu a palco capaz de rivalizar com o Monge, suprassumo guia espiritual do Inferno das Febras, com o seu post-rock instrumental, em que durante 45 minutos colocaram o Inferno a marinar num transe até à entrada sempre explosiva dos Hetta.
Tivemos oportunidade ainda este ano de ter Hetta no Palco RUC, na Queima das Fitas. Tiro certeiro. O projeto do Montijo entra em cena e começa a descarga louca de energia com saltos e gritaria que nunca mais acaba. E… Sabem como é. Se o palco pega fogo, cá em baixo também não é de esperar outra coisa e o pó levantou-se, e bem, nesta Última Ceia anual do rock. A mesa é o palco e os convivas, defronte a ela, comem pó com a satisfação de estarem a saborear o corpo de sangue de Cristo.
A fechar esta noite, e utilizando uma expressão da conversa que tivemos, Mr. Miyagi, projeto icónico de Viana do Castelo que não tem fama de dar maus concertos, quem não se lembra do encerramento do Sonic Blast em 2022, com Weedeater a dar a benção a estes rapazes. Explosão atrás de explosão, com uma combinação excelente entre Hetta e Mr. Miyagi a fechar esta primeira noite do Inferno das Febras. O encerramento oficial desta primeira noite de Inferno esteve a cargo das The Ema Thomas, que na mítica carrinha de caixa aberta partiram a pista como sabem tão bem fazer, e mantiveram a chama do Inferno acesa até às quatro da manhã.
Podem acompanhar aqui a entrevista com Mr. Miyagi.
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Dia 2
Fosse porventura alguém achar que o segundo e último dia do Inferno das Febras fosse de tirar o pé do acelerador que se desengane, foi o dia de acabar de gastar as energias que ainda restavam das férias de verão e deixá-las em campo. Ou no pit.
Os Madmess fizeram as honras de abertura do repasto neste último dia. e depois de um verão a rodar a Europa nada melhor que regressar a casa para atirar algum psicadelismo para cima de quem ainda provavelmente estava a acordar, que a festa no campismo é de 24h, como deve ser quando se está a celebrar. Para um festival que ainda é de pequena dimensão, ter nomes que pisam grandes palcos nacionais e palcos internacionais como os Madmess e bandas com sólidas carreiras, é a prova de que o Inferno das Febras é para meter no roteiro anual de festividades de qualquer amante destes géneros musicais.
A prova de que deve estar nesse roteiro foi também a presença dos Doink. A chegar aos 30 anos de carreira e meio escondidos, talvez porque surgiram antes do fenómeno da internet ser global, são daquelas bandas que trazem o nu metal na sua bagagem e começaram a abrir as chamas ao meio com o seu hip hop rock.
A carregar em cima dos Doink vieram os Vircator. Algures entre o stoner e o post-rock, coube-lhes abrir os últimos concertos que Melvins deram em Portugal no ano passado, e estiveram aqui neste palco a proveitar para mostrar o disco que lançaram no ano passado, Bootstrap Paradox.
E como o Montijo está forte no que a bandas de harcore e metalcore diz respeito, tivemos os clericbeast a lançar a última chama deste Inferno antes da pausa para jantar que, se nos é permitida a observação, é um momento essencial tanto para o público descansar as pernas, como para conviver com as outras pessoas que estão ali para partilhar o Rock no Inferno das Febras.
Já de barriga bem forrada, que o Inferno não se faz de estômago vazio, chegaram os The Black Wizards, com dez anos de carreira e alguma reestruturações na banda, o alinhamento atual é sólido e não descaracteriza em nada a sonoridade proposta desde a primeira hora e teem sabido cimentar a sua carreira, quando estão mais uma vez de saída com passagens pela Suécia e Noruega. Um blues rock eletrizante que nunca desilude e lançou o tapete para nos lançarmos no black metal de Nihility. Quão veloz foi este concerto? Não sabemos dizer, mas a velocidade dos instrumentos aliada ao gutural de Mário Ferreira, trucidaram o público até à entrada dos sempre grandes Mata Ratos, que sabem andar nisto e conquistam um vasto séquito de fãs, desde a malta old school até ao pessoal mais novo que vai descobrindo a sonoridade da banda, e para quem os Mata ratos ainda podem constituir uma novidade.
Ja quase a fechar as hostilidades deste Inferno das Febras, mais uma banda espanhola, desta feita o Teething, que chegaram de Madrid com o seu humor negro que aliado aos breakdowns que nunca mais acabam abriram espaço para ultima banda deste Inferno. Os portugueses Simbiose, um dos expoentes máximos do crust em Portugal, com os seus 30 anos de estrada, sempre no underground, mostra que eles ainda estão aí para dar muitos concertos e vamos ter a oportunidade de os ver em Coimbra a 26 de Outubro no Metal Punk Coimbra Fest.
Os Simbiose contaram à RUC como ainda estão na estrada e de como o Inferno é importante para o movimento underground em Portugal.
https://www.ruc.pt/podcast/coberturas-ruc/entrevista-com-simbiose-inferno-das-febras-2024
A fechar o Inferno, o Monge conseguiu tirar o Rodas do Barracuda que com os seus vinis alimentou o que ainda havia de festa.
Vemo-nos para o ano.