Os Sons Pesados do Verão: Uma jornada pelo Comendatio Music Fest – Dia 1
Entre os dias 5 e 6 de agosto, no Paço da Comenda, em Tomar, aconteceu o Comendatio Music Fest. A Rádio Universidade de Coimbra esteve presente, entrevistou a organização e algumas bandas portuguesas. Tudo para acompanhar nesta crónica
Quando o comboio chegou à estação de Paialvo, o calor abrasador saudou-nos de braços abertos, prometendo um fim de semana cheio de calor e magia musical. Tínhamos chegado ao Comendatio Music Fest, uma jóia escondida num recanto ribatejano bafejado pelo sol. À primeira vista, poderíamos confundi-lo com um pequeno festival, mas, como estávamos prestes a descobrir, as aparências enganam.
O doravante Comendatio tinha um ar inconfundível de potencial, claramente pronto para crescer graças à organização do evento e ao espaço físico que lhe permite crescer em próximas edições. O recinto do festival, despretensioso, prometia algo de familiar. Mas o que realmente chamou a nossa atenção, mesmo antes de nos aventurarmos, foi a segurança à entrada – uma equipa de mulheres vigilantes, de pé, confiantes e extremamente simpáticas.
Fiquem connosco enquanto nos aprofundamos na música vibrante, nos momentos inesquecíveis e nas experiências que estiveram no Comendatio. Desde o palco até ao parque de campismo, estamos aqui para desvendar o coração e a alma deste nicho musical em expansão.
Mas qual é a história por detrás do Comendatio? Estivemos à conversa com os organizadores do festival, Daniel Cardoso e Arlindo Cardoso, que partilharam connosco a história deste evento que começou em 2017.
https://www.ruc.pt/podcast/coberturas-ruc/entrevista-com-a-organizacao-do-comendatio-music-fest-2023
Zul
O festival arrancou com uma atuação dos portugueses ZUL, preparando o público para dois dias de música e celebração. Quando os ZUL subiram ao palco, o sol ainda queimava e as pessoas estavam a chegar, montando as tendas ao som dos músicos de Guimarães.
Ser o ato de abertura em qualquer dia de festival pode ser uma tarefa ingrata, mas os ZUL abraçaram o desafio com gosto. Apresentaram uma atuação nada menos do que muito boa, aliás foram assim todos os concertos, demonstrando o profissionalismo de todos os artistas que passaram pelo Comendatio. A voz de Pedro Rompante ressoou pelo recinto do festival, atraindo auditivamente todos para o seu mundo musical. Os concertos também se ouvem e podemos garantir que o acampamento o ouviu com atenção.
Um dos momentos mais marcantes da atuação dos ZUL foi a cover do clássico intemporal de José Afonso, “Veja Bem”. O público viajou nesta fusão de nostalgia e criatividade contemporânea. No entanto, é fundamental referir que os ZUL estão longe de ser um one-hit wonder. Revelaram-se como um projeto com potencial para deixar o seu legado no panorama musical nacional.
http://ruc.pt/podcast/coberturas-ruc/entrevista-com-zul-comendatio-music-fest-2023
Qwentin
Depois da abertura de ZUL, o festival foi ganhando força à medida que o dia avançava. Os próximos a subir ao palco foram os Qwentin, uma banda que desafiou quaisquer noções preconcebidas de tempo. Ao assistir à sua atuação, nunca se adivinharia que tinham estado parados durante tanto tempo. Première!, o seu trabalho de estreia em 2007, bem poderia ter sido lançado este ano.
A sua atuação foi uma viagem sinfonica entre a lírica musical e instrumental, que desafiou a categorização fácil, misturando géneros e influências de forma perfeita. Foi uma aventura auditiva, onde a mente pintou paisagens vívidas ao ritmo da sua música.
Dada a hora vespertina do concerto, assistir ao espetáculo que os Qwentin propõe visualmente tornou-se uma impossibilidade. Ainda assim, o público rendeu-se à música, deixando que a melodia o invadisse. Foi um de tantos testemunhos do poder do som, ilustrando que a música pode transportar-nos para lugares muito para além do físico.
Um aspeto cada vez mais notório nos festivais é a presença de crianças na plateia. Foi um lembrete de que os festivais de música são encontros intergeracionais, onde o amor pela música é transmitido de uma geração para a seguinte. O festival teve também os cuidados e as acomodações necessárias para pessoas com mobilidade reduzida. Um testemunho do empenho do Comendatio na inclusão e acessibilidade.
Além disso, o Comendatio tinha outra coisa muito funcional, talvez por ser pequeno – a sua disposição. Tudo dentro do festival era próximo. As pessoas podiam mover-se facilmente entre o palco, merchandising, restauração e áreas de descanso, melhorando a experiência geral do festival. Foi uma proeza rara no mundo dos festivais de música, em que os recintos muito extensos levam frequentemente a longas caminhadas e à perda de espectáculos.
https://www.ruc.pt/podcast/coberturas-ruc/entrevista-com-qwentin-comendatio-music-fest-2023
Altesia
À medida que a energia do festival continuava a aumentar, a banda francesa Altesia subiu ao palco, injetando uma boa dose de metal progressivo. Não perderam tempo em definir o tom do seu concerto, declarando com confiança que o público era mais do que capaz de lidar com suas músicas épicas de 10 minutos.
A atuação dos Altesia foi uma viagem enérgica ao intrincado mundo do metal progressivo. Com riffs de guitarra empolgantes e um duo vocal que atravessou sem esforço os picos e vales de suas composições, eles provaram ser virtuosos na sua arte.
No entanto, os Altesia não se contentaram apenas em proporcionar uma experiência musical; também trouxeram o humor ao palco. Como a temperatura teimava em nao baixar, não resistiram a gozar com calor. Declararam com humor: “Está frio aqui dentro!” As suas brincadeiras criaram um momento de riso entre o público, mostrando a camaradagem que prospera no coração dos festivais de nicho.
A determinado momento introduziram um novo tema, classificando-o como ligeiramente “pop”. Este tema, apesar da sua classificação “pop”, tinha a inconfundível assinatura de Altesia – uma mistura de melodias contagiantes e arranjos musicais complexos.
Quando a atuação chegou ao seu grande final, os Altesia deixaram uma marca indelével no festival. O público expressou a sua admiração pela banda, numa festa onde havia algo para vários paladares musicais.
Hochiminh
Enquanto caia o sol do final da tarde, a banda portuguesa Hochiminh, oriunda de Beja, subiu ao palco, libertando um som hardcore que sacudiu o público. A sua atuação foi uma investida brutal de energia bruta, pontuada por poderosos breaks que deixaram o público ao mesmo tempo atordoado e revigorado.
Os Hochiminh, apesar da sua longa carreira, eram relativamente desconhecidos para muitos dos presentes. Foi uma revelação para aqueles que experimentaram o seu som feroz pela primeira vez. O vocalista da banda vestia uma t-shirt onde se lia “underground tuga”, abraçando o seu estatuto na cena musical underground portuguesa.
No entanto, os Hochiminh enfrentaram um desafio durante a sua atuação – conseguir que Mafalda, vocalista convidada, se juntasse a eles em palco. A antecipação no ar era palpável enquanto o público aguardava ansiosamente por esta colaboração. No entanto, como em qualquer atuação ao vivo, houve alguns contratempos, incluindo alguns problemas de som que interromperam momentaneamente o fluxo contínuo do seu ataque hardcore.
I Built The Sky
À medida que o primeiro dia do Comendatio se aproximava do fim, a intensidade do festival atingiu novos patamares. Era um crescendo de paixão musical e de espírito comunitário que se vinha a desenvolver desde que saímos do comboio. E quando o sol desceu abaixo do horizonte, o palco estava montado para uma atuação que foi nada menos que de cortar a respiração.
Quase a encerrar o dia chegaram os I Built The Sky. Quando subiram ao palco, parecia que estavam a sair de uma gruta, rodeados por um jogo de luzes que contribuiu muito para a sua atuação. Este espetáculo visual, combinado com o virtuosismo dos três músicos, criou uma experiência sensorial que não foi nada menos do que mágica.
A música, como uma estrela supermassiva, irradiava intensidade, atraindo todos para a sua força gravitacional. A proeza musical do trio foi nada menos do que inspiradora, mostrando o domínio da sua arte. Com cada nota, cada ritmo, eles criaram uma tapeçaria sónica que ressoou profundamente nas almas de todos que estavam diante deles.
Mas não foi apenas a música que cativou o público; foi a fusão de luz e som, uma sinfonia para os sentidos. A interação entre os intérpretes e os efeitos visuais pintou uma paisagem vívida e etérea que transportou toda a gente para um reino onde a música e a imaginação se fundiram sem falhas.
Foi um espetáculo super sólido, um testemunho da criatividade sem limites e da dedicação que os artistas dedicam ao seu ofício. Quando as últimas notas ecoaram pela noite, a multidão irrompeu em aplausos.
The Ocean
Ao cair o pano do primeiro dia do Comendatio, a intensidade do festival manteve-se no auge com a atuação dos The Ocean, um projeto alemão com mais de duas décadas de carreira. A sua chegada ao palco marcou o culminar de um dia repleto de experiências musicais diversas, e não perderam tempo a mergulhar o público no seu mundo sonoro.
A atuação dos The Ocean foi uma viagem auditiva repleta de vocais guturais envolventes e uma paisagem musical que se deslocou sem esforço entre melodias contemplativas e crescendos estrondosos, conseguindo um sentimento de introspecção que foi nada menos que brutal. Era música que penetrava profundamente, exigindo reflexão e imersão.
O que distinguiu os The Ocean foi a sua notável interação com o público. Não se limitaram a atuar; convidaram o público a tornar-se parte integrante da experiência do concerto. À medida que a música fluía e refluía, as fronteiras entre o palco e o público dissolviam-se, e parecia que todos os presentes faziam parte de uma viagem musical colectiva, com a reação do público a ser eléctrica, pois responderam com um entusiasmo desenfreado a cada nota, cada letra e cada gesto da banda.
À medida que a noite avançava, a atuação dos The Ocean continuou a desenrolar-se como uma odisseia musical, transportando todos os presentes numa viagem pelas profundezas da emoção e do som. E chegamos assim ao final do primeiro dia do Comendatio, aguardando o dia seguinte.