“Echoes From a Liquid Memory_prototype”, crónica RUC
A RUC esteve presente no concerto de Carincur, “Echoes From a Liquid Memory_prototype”, na passada quarta feira, dia 23 de Novembro, na Sala Conventual do Convento de São Francisco. Uma peça transdisciplinar no âmbito da exposição “Sempre no Ar!” e do Ciclo de Música Orphika da Universidade de Coimbra.
Num espaço que parece ter sido desenhado para este concerto, Carincur surgiu com um quê de misticismo, e começa a compor o ambiente no qual vamos ser submersos durante quase 1 hora. “Echoes From a Liquid Memory_prototype” é um cruzamento deslumbrante entre a performance, a instalação visual e a música eletrónica, numa apresentação única desta composição. Carincur apresenta aqui uma clara dualidade entre o orgânico e o eletrónico, onde a tecnologia é vista como uma extensão do seu corpo e a voz é explorada ao limite do imaginável.
Começamos na superfície, na ânsia e expectativa de perceber onde é que a artista nos vai levar. Antes mesmo de Carincur aparecer, já o ambiente estava a ser criado, quer pelo som de água corrente que se fazia escutar, quer pelo jogo de luzes presente na sala, orquestrado por João Pedro Fonseca. Dispostos em semicírculo, os leds brancos e com uma certa tonalidade azul, mostram a entoação que esta performance pode tomar. Carincur chega e a ligação entre o orgânico e o eletrónico inicia-se, com uma calma exploração das potencialidades entre a água e a tecnologia, em que o corpo é a ponte entre os dois. Surge mais uma camada, a voz da performer. É o chamamento de Carincur para que nos juntemos a ela e nos deixemos submergir neste ambiente que está a ser criado ali, de forma exclusiva, para o público.
A voz de Carincur é manipulada eletronicamente, numa nítida procura pelos limites das capacidades vocais do ser humano. A exploração vocal desta performance inicia-se com sussurros que vão ganhando forma e textura, através das modificações feitas pela artista. À medida que a performance vai progredindo, a profundidade amplia-se e o sentimento de submersão vai crescendo. As luzes acompanham a performance onde, gradualmente, os tons iniciais transformam-se num vermelho quente e escuro, e o uso de strobe lights faz com que existam momentos com uma ausência total de luz. Estamos na maior das profundezas e até a claridade tem dificuldade em chegar lá. Tentamos vir à superfície e ganhar algum fôlego, mas o encanto e a hipnose a que somos sujeitos, não nos deixa.
A par da iluminação, a voz de Carincur acompanha-nos nesta profundeza, tornando-se mais complexa. O que começou como um simples sussurro, é agora um coro de vozes extra humanas e densas. A submersão atinge aqui o seu pico e ficamos fascinados com o que está a acontecer à nossa frente. De forma progressiva, este coro de vozes que nos prendia, vai-se convertendo numa única voz angelical e que nos eleva até à superfície, onde nos reencontramos com a claridade da luz.
Apesar da água estar confinada a um pequeno recipiente transparente, o que nos permite ver a exploração que a performer faz com a água e a tecnologia, a imersão na composição foi tal que parecia que a sala tinha sido inundada.
Carincur termina a performance da mesma maneira que a iniciou, explorando calmamente a ligação entre o orgânico e a eletrónica, recorrendo à voz e ao corpo como meio condutor. O misticismo voltou e Carincur abandonou a frente do público com calorosos aplausos a servirem de banda sonora.
Fotografia: Pedro Cosme