Terra, Mar e Malhas – 10º aniversário SonicBlast
Quase três anos de espera, duas horas de viagem e três dias de porrada sónica, o SonicBlast voltou em grande na Praia da Duna do Caldeirão, em Âncora.
Dia 10
Dois anos depois, o SonicBlast volta às terras do Norte com mais um festival digno de um stoner que se preze.
Mudaram-se os tempos e a localização. Saímos de moledo em direção a Âncora, em que mais uma vez a praia era nossa vizinha. Não tínhamos o habitual Ruivo’s que nos acompanhava fielmente durante o warm up, mas fomos abençoados com a Hamburgaria 24 que estava aberta até às seis da manhã. Se os deuses do fuzz estavam inspirados? Talvez.
Este ano o cenário foi diferente. O campismo debruçava-se sobre o recinto. Tendas multicor e árvores no lado esquerdo e o recinto no lado direito. Estávamos lado a lado, num romance temporário. A escalada que se tornara habitual nas edições anteriores terminou e, sem querer, a distorção tornou-se intrínseca. Não houve uma manhã livre de soundcheck – bom dia da tarola, bom dia da guitarra, bom dia do baixo. Foi assim o despertar no SonicBlast 2022.
Este ano fomos contemplados por três palcos. Dois lado a lado e o terceiro, mais pequeno, inserido na zona dedicada à alimentação. Foi nesse pequeno palco, no dia 10, que a festa começou. Seguimos o lineup: Temple Fang, El Perro, Toxic Shock e Misleading e a substituição dos nacionais ShiMa por PutoVC.
Os holandeses Temple Fang trouxeram na manga o trabalho lançado em Novembro de 2021: Fang Temple. Um álbum temperado bem ao gosto psych rock, sem descuidar das influências do space rock. No mesmo riff, os groovy El Perro deixaram muito a desejar. O palco estava a rebentar, o público era demasiado para o espaço que a tenda podia oferecer. O som não foi o desejável.
“Knock knock” “who’s there?” Toxic Shock.
Foi assim que os norte-americanos se apresentaram. A banda hardcore marcou definitivamente o warm up com o primeiro mosh e stage diving da décima edição do SonicBlast. Wouter Verhaegen sem qualquer piedade, mostrou-nos o que Toxic Shock era realmente capaz. Uma banda digna de acompanhar.
Dia 11
Dia 11 amanhece e com ele traz filas imensas para as pulseiras. É notório a crescente procura pelo SonicBlast ano após ano. O bilhete geral esgotou, não é novidade nem um espanto. A qualidade do cartaz torna impossível um coração de stoner e doom resistir. Neste dia destacamos Pledge, Slift, Nebula e Madmess.
Os nacionais Pledge regressam ao palco do SonicBlast para mais uma atuação assente no post-hardcore. Os poderosos vocais da Sofia não deixam ninguém indiferente.
O Bernardo Matos esteve à conversa com Pledge:
Os filhos do Norte Madmess surpreendem. Trouxeram um som quentinho que fez jus ao sol que se fazia sentir no recinto. O Sandro Silva falou com Madmess. Para ouvir:
Por volta das 21h20 regressámos ao fuzz do deserto. Nebula regressou ao activo e presenteou-nos com duas canções do mais recente trabalho. Batemos o pé ao som de Transmission From Mothership Earth, homónima ao álbum. Para desmitificar um pouco, Sandro Silva conversa com a banda:
Ficou claro que quem levou a taça de Malha da Noite foram os franceses Slift. Não pediram perdão. Arrebataram o recinto e mostraram-nos que afinal o bom peso não estava apenas nas mãos de Gojira.
Os norte-americanos Toxic Shock regressam ao palco e não ficam nada atrás de Slift. A multidão entrou novamente numa espiral alucinada, repleta de corpos a navegarem à mercê da boa-fé do público. Pecou quem não os viu e quem veio a seguir tocar. Foi necessária coragem para subir ao palco após o pecado de Slift. Travo não desapontou musicalmente, contudo, o choque entre a brutidão dos franceses e a calmaria dos nacionais foi suficiente para a multidão se dispersar. Bernardo Matos quis conhecer um pouco melhor os Travo, em entrevista momentos antes de subirem a palco:
Dia 12
O segundo dia começa com a saudação matinal dos Electric Wizard. Bem cedinho, quase de madrugada para quem esteve atento aos concertos de dia 11, a tarola ritmada dos britânicos mascarou-se de despertador. Tal como o amanhecer foi diferente, o SonicBlast foi palco de Perseidas em pleno concerto de Conan.
De inspiração pagã, os espanhóis Luna Vieja arrancam para o segundo palco principal. Assentes nas raízes do psicadelismo ritualista e com uma preparação de palco impressionante, os autores de Mal de Luna surpreendem o público do SonicBlast com uma actuação capaz de invocar qualquer Ser do submundo. Foi uma actuação fixa na componente visual, no entanto, o horário mascarou o misticismo e impacto que a banda poderia trazer se actuassem pela noite. Não obstante, Luna Vieja (pela editora Spinda Records) é um projecto a acompanhar.
Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs regressam aos palcos do SonicBlast. O grupo de Newcastle-upon-Tyne é relativamente recente. Formaram-se em 2012 e a partir daí foram ganhando notoriedade entre o nicho do psych rock. Matthew Baty, vocalista, faz questão de se integrar com o público. Seja com provocações ou com o seu próprio corpo nas mãos dos fãs, Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs não passaram despercebidos nesta celebração do SonicBlast.
Apesar das dificuldades técnicas, Sandro Silva forneceu-nos por escrito a entrevista que fez a Matthew Baty (vocalista) e Ewan (baterista) de Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs:
— I’m here with Pigsx7, first of all introduce yourselves:
Hey, this is Matthew, vocalist.
I’m Ewan, drummer.
— How are you doing guys? Had fun playing here?
Matthew: Definitely, we always have fun (laughs), the crowd seemed to be into it as well so yeah, all good!
Ewan: Yeah it was great!
— Are you staying for the rest of SonicBlast? Do you like the lineup?
Matthew: Unfortunately no, we have to catch a flight early tomorrow. I’d love to see Electric Wizard.
Ewan: Very good lineup for sure.
— So you’re not going to the beach?
Matthew: (Laughs) No we don’t have time, but at least we can drink (looks at can) Super Bock while we’re here
— (laughs) Do you like our beer?
Matthew: Yeah it’s good, it’s funny this is the only brand I see around here.
— Portugal is divided in two when it comes to beer, in the north people only drink Superbock and in the south people are fans of Sagres.
Matthew and Ewan: (laugh)
Ewan: I’ve never seen this beer abroad, but it says it has all these prizes.
Matthew: Wow so you guys take your beer seriously huh?
— We do, we have a rather laddish culture here as well (laughs) our alcohol consumption per capita is pretty high.
Matthew: Wow really? Ok (laughs).
— Who had the idea of covering Donna Summers’ Hot Stuff, your latest single with The Lovely Eggs?
Matthew: Well, I wouldn’t really call it a single, more like a joke (laughs). I was driving when that song came on and I imagined how it would sound with guitar riffs in my head. We’ll never play it live though.
— Really? Why? I can tell you from personal experience a lot of people love it!
Ewan: It’s just too much, it wouldn’t fit with the rest of our set.
— Ok, is a new full length coming up soon? Have you been recording?
Matthew: Yeah actually, we have an album finished, just have to settle things with the label and it’s ready to go.
— Do you have a release date planned?
Matthew: No, not yet
— OK, thank you for the interview guys, have fun, and good flight tomorrow.
Matthew and Ewan: Thank you!
Numa noite de super lua e chuva de estrelas, a distorção cavernosa de Conan fez-se ouvir no palco principal 2. A banda britânica trouxe pujança e despejaram tudo o que tinham com um cheirinho do novo disco Evidence of Immortality (último trabalho com a Napalm Records). Não são recentes a estas andanças do norte, Conan já participaram na edição SonicBlast Moledo em 2018, com o mesmo caos e a mesma necessidade de invocar a loucura da multidão.
Chega o momento tão aguardado pelo público do festival. Electric Wizard, cabeças de cartaz, arremataram por completo o segundo dia formal. A excelência dos elementos sonoros; a dança psicadélica entre o baixo, guitarra e a percussão; acompanhados por visuais que compunham a onda contagiante do público. Tocaram clássicos como Return Trip, (do álbum de 1997, Come My Fanatics) e Funeralopolis (álbum de 2000, o mítico Dopethrone). É certo que marcaram o dia pela actuação de qualidade irrepreensível.
Dia 13
O último dia começou com os alemães Samavayo no palco 3. Um concerto quentinho antes das nacionais The Black Wizards darem ar de sua graça no palco principal. A banda encerra mais uma digressão em solo nacional, em visita recorrente ao festival, com uma actuação impressionante sacada da década de 70.
Em momento pós-concerto, Bernardo Matos conseguiu algumas palavras das The Black Wizards.
Tuareg rock, desert blues, takamba. Mdou Moctar foram o CONCERTO da tarde. Ninguém conseguiu ficar indiferente ao som do Saara. Houve quem dançasse, quem saltasse, quem cantasse. Muito poucos mantiveram os pés no chão enquanto derretia o groove da Afrique Victime.
Falam de amor, de desigualdade. Evocam os direitos das mulheres e salientam a mão dos colonizadores na exploração da terra mãe. São acordes que motivam e que incitam a defesa pelo que é seu.
Seguem-se os percussores do doom metal, Pentagram. O público já se tinha juntado à frente do palco principal com alguma antecedência, como aconteceu com os britânicos Electric Wizard. Não eram cabeça de cartaz, mas certamente que 50 anos de existência lhes compra esse papel. Tocaram clássicos como “Run My Course” e “The Ghoul”, do primeiro álbum de estúdio Relentless (1985). Bobby Liebling ainda referiu o documentário da banda “Last Days Here” e surpreendeu os fãs com a canção homónima. Foi uma actuação impressionante, de extrema importância para a história do doom metal. Uma das melhores confirmações do SonicBlast.
1000mods abrem hostilidade com “Road To Burn”, do álbum Super Van Vacation. Escolha acertada para cativar o público depois do concerto de Pentagram. A banda que já esteve presente na edição de 2017 foi ganhando alguma notoriedade entre o público português. O Bernardo Matos entrevistou 1000mods.
Porrada sónica é o sinónimo de Weedeater.
Os americanos entram em palco numa espiral enfurecida. Partilham de uma garrafa de Jack Daniels e de um copo, num jogo macabro que liga o baixo de Dixie Collins aos toques percussivos de Ramzi Ateyeh. Curiosamente não tocam o novo trabalho Goliathan, mas sim um conjunto de temas escolhidos a dedo com o propósito de exaltar quem estava presente. A versão “Gimme Back My Bullets” de Lynyrd Skynyrd não faltou. Weed Monkey e Good Luck and Good Speed fecharam, com toda a pujança, a actuação.
Fecha assim a celebração da décima edição do SonicBlast. O festival cumpriu o prometido: uma programação eclética, coerente e de extrema qualidade, num ambiente tranquilo. Desta vez não tínhamos só o mar. Tivemos o rio e uma vila toda para explorar durante o festival. É certo que a mudança de localização veio a valorizar o nome do SonicBlast.
Que venham mais 10 anos de stoner, doom e psych!