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27.04.2022POR Pedro Cosme E Assafrão

Sónar Lisboa 2022: Isto é dia e noite. Dia e noite!

A RUC esteve presente na primeira edição do Sónar em Lisboa e apresenta aqui a sua segunda crónica do festival, desta feita dedicada aos concertos e aos DJ sets que assistimos ao longo dos quatro dias de festival. A primeira crónica, acompanhada de fotos e vídeos, das instalações e exposições do Sónar+D, no Hub Criativo do Beato, pode ser consultada mais abaixo.

O festival Sónar conta já com 28 anos de história. Fundado em 1994 em Barcelona, e tendo desde o seu início procurar a transversalidade com outros tipos de arte, rapidamente se tornou numa instituição no panorama da música eletrónica e experimental. Como seria de esperar, para a sua primeira edição em solo nacional apresentou uma programação ousada e extensa, reunindo artistas de grande relevo internacional e procurando, ao mesmo tempo, mostrar  uma vasta seleção de artistas e coletivos nacionais (Mina, Naive, Mera, Discos Extendes, XXIII, entre outros). 

A programação do Sónar dividiu-se por três espaços: o mais distante, em Alcântara, no Centro de Congressos de Lisboa (CCL), e os mais próximos do centro, no Pavilhão Carlos Lopes (PCL), junto ao Parque Eduardo VII, e no Coliseu de Lisboa (CL), na baixa da cidade. A diversidade esteve também presente nos estilos musicais apresentados no festival. Nestes palcos pudemos ouvir desde a fusão de Rap e R&B de IAMDDB ou Thundercat, às batidas de DJ Marfox e Nídia, passando pelo techno de nomes como Richie Hawtin e Héctor Oaks, ao electro de Stingray 313 e Dust Devices, música Jungle, House, Disco… a oferta era muita e tornava-se difícil escolher apenas um dos palcos onde ficar.

Um dos pontos negativos do festival acabou mesmo por ser esta distância entre os diferentes espaços, que não permitiram o habitual saltitar entre palcos para ver o que realmente se queria – chegámos a ser barrados às 5 da manhã ao tentar regressar para o PCL, ainda com uma hora de Dengue Dengue Dengue por ouvir. 

 

Richie Hawtin & Hector Oaks

 

Pesos pesados de eras diferentes do techno, Richie Hawtin & Hector Oaks apresentaram-se frente-a-frente na madrugada do primeiro dia, depois de um live de Stingray 313. O DJ de Detroit conhecido pelos seus DJ sets de electro, apresentou um live act mais desconstruído, que não ressoou da mesma maneira entre toda a plateia, já em altas rotações depois de um b2b à habitual velocidade contrarrelógio entre Cravo & Vil, mixando músicas como o original Fuck This Dub, e de um set enérgico da britânica Imogen, que começou com sons mais industriais e cruzou depois para um electro pesado. 

Se Stingray serviu de interlúdio na rave de muitos dos que estavam presentes no Centro de Congressos, Hawtin e Oaks rapidamente transformaram o espaço, submergindo-o em ácido em ebulição. Durante duas horas, mergulharam nas suas malas de discos, selecionando as faixas mais rápidas de acid techno que tinham e misturando-as olhos-nos-olhos – nem sempre com toda a confiança – perante um CCL cheio de pessoas a dançar. Para encerrar o palco, Charlotte de Witte fez o que sabe melhor, mas cedo nos afastou do CCL. 

Já a abrir o dia tivemos duas duplas portuguesas: primeiro, Photonz b2b Yen Sung, que falhámos na deslocação do Hub Criativo do Beato para o CCL; e depois, Marum b2b Phoebe, que apesar de tocarem no início da noite mostraram com destreza uma seleção musical que os torna nomes chave do techno underground de Lisboa e das festas Mina. 

 

Mera Label

 

Os atrasos para chegar a Alcântara só permitiram ver o fim do DJ set de OTSOA, que iniciou o showcase da Mera Label no terceiro dia do Sónar. Depois, ainda com o CCL bastante vazio, Cláudio Oliveira subiu ao palco para apresentar um live act do seu projeto Dust Devices. O portuense apresentou um set bem pessoal onde mostrou o seu estilo característico fundindo sonoridades de electro com batidas quebradas pesadas que conseguiram trazer o público que estava disperso no Centro de Congressos para as linhas da frente do palco.   

A terminar o showcase da Mera Label esteve um dos nomes mais sonantes do circuito clubbing do Porto. O DJ Lynce é um nome habitual para quem está atento ao que se passa em Portugal e perante um público já animado decidiu manter-se nas batidas quebradas mas aumentar o ritmo num set palpitante de Jungle e Jungle Tekno onde explorou muito do catálogo da incontornável Globex Corp. Uma performance de um DJ experiente, sem falhas a apontar que deixou o público entusiasmado para os actos internacionais que se seguiram.

Num palco por onde passaram na mesma noite nomes como Partiboi69, Ellen Allien em formato b2b com Dr. Rubinstein ou ainda Nina Kraviz, o destaque vai mesmo para os portugueses da Mera que abriram de forma estrondosa o palco, já depois de um set da portuguesa Valody. Partiboi69 cumpriu o esperado do seu hype – passando até um remix da Numb dos Linkin Park -, mas notou-se que sempre que gostava de entrar na persona de MC a resposta do público não era a mesma, efusiva, de outras paragens por onde costuma passar. Ellen Allien & Dr. Rubinstein apresentaram-se em grande forma, com um set acelerado tingido com algum ácido, antes de Nina Kraviz entrar em cena e defrontar-se com alguns problemas técnicos. 

 

Coliseu dos Recreios

 

Depois do set de Partiboi69 a nossa equipa de reportagem separou-se e depois de uma viagem de shuttle de uma hora chegamos a tempo de Floating Points no Coliseu de Lisboa. Sam Shepard é um nome já conhecido para quem segue a cena eletrónica Britânica. Ao longo da sua carreira, que já soma mais de 10 anos, pudemos acompanhar uma evolução nas suas produções explorando sempre de uma forma única as suas influências.

Se em 2021 deu muito que falar pela sua colaboração com Pharoah Sanders e a London Symphony Orchestra da qual resultou Promises, um álbum que se distanciou da cena clubbing para se focar numa sonoridade onde funde o jazz e a eletrónica em paisagens etéreas, 2022 marca o regresso de Floating Points às pistas de dança. Depois de dois singles (Grammar e Vocoder) na Ninja Tune, Floating Points apresentou-se no coliseu em formato DJ set onde durante uma hora e meia nos levou numa viagem pelas diferentes sonoridades que o movem, do House ao Techno, passando pelo caracteristicamente britânico UK Garage e Bass Music. Um set variado e interessante que manteve o público do Coliseu em constante movimento.

A passagem de um DJ set para uma performance live às vezes pode sugerir uma quebra de intensidade e energia. Um receio que se tornou mais presente no período de 15 minutos que demorou para fazer a mudança de actos, mas que rapidamente se dissipou quando o duo de Matt Mcbriar e Andy Ferguson subiu a palco. Frente a frente numa mesa repleta de sintetizadores e drum machines, Bicep apresentaram-nos o seu mais recente álbum Isles, lançado no ano passado pela Ninja Tune. Através de interpretações originais dos seus temas, com direito a revisitar temas anteriores e marcantes da sua carreira, a dupla de produtores mostrou uma enorme mestria e controlo na maneira como controlaram a dinâmica do seu live set. Passando por ritmos quebrados e momentos de 4×4, entre momentos mais emocionais e outros de euforia, a combinação dos visuais e luzes com a música de Bicep tornou a performance super envolvente, capturando qualquer pessoa que esteve no Coliseu nessa noite.

A noite terminou ao som de um DJ set de Rui Vargas. Nome incontornável na noite portuguesa, com uma carreira de mais de 25 anos tanto em rádio como nas pistas de dança continua a ser um dos maiores divulgadores de música eletrónica em Portugal. Capaz de se adaptar às diferentes salas e audiências em que se apresenta demonstrou a naturalidade com que trata a pista de dança para encerrar o Coliseu dos Recreios.

A diferença de sonoridades entre o Centro de Congressos de Lisboa e o Coliseu dos Recreios foi notória mas apreciada. Enquanto que em Alcântara se explorava os ritmos mais rápidos e pesados da música eletrónica, o Coliseu dos Recreios ofereceu uma experiência mais íntima mas não menos enérgica, realçando a importância da variedade musical no festival.

 

Um final apoteótico 

 

Overmono apresentaram-se em formato DJ Set. Um set fresco, a quebrar com a sonoridade House que predominava nos sets do Pavilhão Carlos Lopes. O set da dupla de irmãos Ed (Tessela) e Tom Russel (Truss, MPIA3) trouxe ao palco uma mistura de géneros representativos da música eletrónica do Reino Unido como o UK Garage, Jungle e Drum and Bass. Quase duas horas de música enérgica, polvilhada com alguns dos seus maiores hits do momento como a faixa So U Know que deixou o público a vibrar com os baixos pesados que caracterizam o som da dupla. Overmono estiveram à altura das expectativas e mantêm a sua posição de referência no movimento rave do Reino Unido.

O final da primeira edição do Sónar Portugal ficou perfeitamente entregue a um b2b magnífico de Violet & Bleid. Tanto Violet como Bleid são nomes importantíssimos na cena underground de Lisboa, seja através da editora Naive, o seu trabalho na Rádio Quântica, e em espaços culturais significativos como a Manta Lisboa ou o Planeta Manas. A química das duas foi clara em palco e num set de duas horas conseguiram trazer ao palco do Carlos Lopes um verdadeiro sentimento de Rave. Um set cheio de intensidade e velocidade que passou pelo breakbeat, electro, acid, e techno, misturando sem falhas música nova e fresca com clássicos como Born Slippy dos Underworld. Foi um set eufórico que mostra claramente a importância e habilidade de duas das melhores artistas que Lisboa nos continua a oferecer.

 

Fotos retiradas do facebook do Sónar Lisboa e da Mera Label

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