Sonar+D: A intersecção da criatividade e da tecnologia
A RUC esteve presente na primeira edição do Sónar realizada em Lisboa e apresenta aqui a primeira de duas crónicas dedicadas ao festival – uma sobre o Sónar+D, a programação de espetáculos audiovisuais, instalações artísticas e conversas, e outra sobre os concertos e DJ sets a que assistimos ao longo dos quatro dias de festival.
A edição lisboeta do Sónar começou na quinta-feira dia 7 de abril, durante a tarde, no Hub Criativo do Beato. O programa incluía várias performances audiovisuais, bem como a abertura das instalações expostas em vários edifícios deste amplo espaço em transformação, que foram visitadas por milhares de pessoas durante o festival. De destacar, neste sentido, a iniciativa da organização de abrir esta parte do festival aos habitantes e aos estudantes da cidade, não se servindo de Lisboa apenas para encher arenas com DJs de renome internacional e permitindo, assim, um diálogo mais produtivo com a comunidade. Apresentamos, então, os nossos destaques do Sónar+D:
‘Nati Infiniti’, por Alessandro Cortini
Músico com trabalhos notáveis a solo na área do ambient e do drone, mas mais conhecido por integrar a banda Nine Inch Nails, Alessandro Cortini foi comissionado pelo Sónar para elaborar uma peça audiovisual numa antiga fábrica de moagem, estreando-se a solo em Portugal com este trabalho. O Hub Criativo do Beato e, em particular, esta fábrica, encontram-se num grande complexo de edifícios, cercados por uns enormes silos de cereais, que em tempos serviu para a confeção de alimentos para o exército português. A maioria das instalações estavam expostas num edifício principal em reconstrução, enquanto que o trabalho do italiano se encontrava, então, nesta fábrica ainda com toda a maquinaria disposta.
De nome ‘Nati Infiniti’, que traduzimos livremente do italiano como ‘Nascimentos Infinitos’, a instalação desdobrava-se pelos 4 pisos da fábrica, plenos de fumo e com luzes de diferentes cores que acompanhavam a oscilação de sonoridades drone nas suas tonalidades mais graves e suaves. Os múltiplos tubos e as enormes máquinas da antiga fábrica, que em tempos moíam cereais e que atravessam os vários pisos, pareciam agora funcionar como um grande órgão, fazendo renascer o edifício há muito tempo abandonado e ecoando imersivamente as suas vidas anteriores. No último piso, os visitantes podiam interagir com a instalação, através de quatro botões que limitavam as texturas desenhadas por Cortini que se faziam ouvir no edifício.
‘Synthetic Messenger’, por Tega Brain e Sam Lavigne
Ao entrar numa sala ouvimos várias vozes robóticas a repetirem uma espécie de mantra: “click, scroll, click, scroll, click, scroll” . Observamos 15 ecrãs onde uma mão vai clicando freneticamente em anúncios publicitários que ladeiam artigos de jornais online sobre alterações climáticas. Esta instalação provocativa de Tega Brain e Sam Lavigne procura subverter o tratamento e o destaque minoritário que as redações dos jornais dedicam às investigações e às notícias sobre as alterações climáticas, aumentando artificialmente o valor dessas mesmas notícias ao colocar bots a procurarem artigos sobre o tema e a abrirem os anúncios publicitários dessas páginas – colocando em evidência um dos motores do jornalismo contemporâneo: a dependência da publicidade.
‘Earthworks’, por Semiconductor (Ruth Jarman and Joe Gerhardt)
Earthworks é uma instalação de arte comissionada em 2016 pelo SónarPLANTA. Depois de passagens pela edição de Barcelona do Sónar e de uma exposição a solo na Fabrica Gallery de Brighton foi apresentada pela primeira vez em Portugal. Earthworks é uma animação gerada por computador de cinco canais que cria uma experiência imersiva representativa do fenómeno da formação de paisagens. Através do uso de técnicas de Modelagem Analógica, usa camadas de partículas multicoloridas do mundo real sujeitas a pressão e movimento para simular forças e movimentos tectónicos e sísmicos. À medida que as camadas ficam deformadas é representada a geração e evolução de paisagens na natureza que ocorrem ao longo de milhares de anos, revelando-nos a evolução constante do planeta Terra.
Existem 4 secções distintas presentes na instalação, cada uma usando grupos diferentes de informação. Isto inclui data reunida sobre atividades sísmicas, vulcânicas, glaciares e humanas. Os dados sísmicos são convertidos em áudio que se transforma na banda sonora do trabalho, que por sua vez controla a animação das camadas. Uma espécie de feedback loop sinestésico, esculpindo e reanimando a paisagem artificial do mesmo modo que as vibrações sísmicas animam a nossa paisagem. Presenciar Earthworks equivale a testemunhar processos que ocorrem em períodos de tempo muito além da vida de um ser humano e que apenas podem ser experienciados através da mediação científica e tecnológica da natureza. É observar milhares de anos de evolução constante de uma Terra que experienciamos como estática mas que está constantemente em fluxo, ao mesmo tempo que nos procura fazer pensar sobre o impacto que nós como humanos temos na Terra a longo prazo.
‘Alter Ego’, por Cadie Desbiens-Desmeules // Push 1 stop and Intercity-Express (AV show)
Alter Ego é o título da instalação de vídeo generativa que esteve presente no Factory Lisbon pela artista canadiana Cadie Desbiens-Desmeules. Através dela a artista procura expor o papel cada vez mais proeminente que a tecnologia e a inteligência artificial representam na evolução da humanidade. Em Alter Ego, a artista agora sediada em Portugal utiliza a API (Application Programming Interface) do Instagram, para nos proporcionar um vislumbre de atividade humana sem filtros, antes de ser perfurada por algoritmos.
Usando hashtags populares como #love, #girl e #me, a artista consegue apresentar imagens que são publicadas globalmente em tempo real. É assim permitido ao espectador ver a atividade humana na plataforma escolhida antes de ser sujeita ao processo de seleção dos algoritmos do Instagram. Individualmente estas imagens dão-nos uma perspectiva do zeitgeist dos tempos modernos, realçando como as pessoas são influenciadas pela plataforma e como o seu comportamento é moldado pela sua influência.
À medida que as fotos são publicadas são reajustadas de modo a assumirem a forma de rostos de “influencers” gerados por inteligência artificial. Estas personagens artificialmente geradas refletem as convenções populares / mainstream de beleza e como a plataforma encoraja certos tipos de conteúdo. Uma instalação que procura mostrar o quão ténues são as linhas que separam conteúdo com objetivo comercial e conteúdo produzido autenticamente. É um convite para que reflitamos como somos simultaneamente interligados e manipulados pelas novas tecnologias.
Para além da instalação de vídeo que esteve presente todos os dias do festival no Factory Lisbon, a artista canadiana, que também se apresenta como Push 1 stop, aliou-se ao artista audiovisual Tetsuji Ohno (Intercity-Express) para apresentar o espetáculo Influenced em que a instalação de vídeo é aliada ao trabalho sonoro de Tetusji que reflete as suas influências e experiências nos universos musicais do house, techno, noise e electrónica. Sem dúvida um dos destaques desta edição do Sónar Lisboa.
Fotos: Pedro Cosme
Vídeos: Internet Jane