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À conversa com MADMADMAD: da catarse pela música à resistência contra o tempo

Vindos de Londres, os MADMADMAD percorrem ao longo dos próximos dias vários palcos portugueses. Em Coimbra, será o Salão Brazil a acolhê-los, para um concerto que acontece já no próximo sábado, pelas 22 horas, e que vai contar com a apresentação do LP “More More More”, lançado no ano passado. O concerto tem o apoio da Blue House e da Rádio Universidade de Coimbra.

Formados por Benjamin Bouton na guitarra, sintetizadores, percussão e FX, Kevin Toublant no baixo elétrico, Moog e FX, e Matt Kelly na bateria e percussão, é da fusão entre o no-wave dos anos 70, o pós-punk e o disco que nasce o som único e irreverente dos londrinos MADMADMAD. Falam-nos desta irreverência, quase dadaísta, como única forma de libertação ao que há de caótico, estranho e absurdo, numa catarse pela música que é no fundo uma catarse de resistência contra o tempo.

Fomos conhecer Benjamin Bouton (Benji) e Kevin Toublant (Kevin), num momento que resultou na conversa que se segue.

Por Ana Rodrigues (Ana) e Eduardo Antunes (Eduardo).

 

Eduardo Como é que surgiram os MADMADMAD? 

Benji Nós começámos o projeto quando nos encontrámos todos em North London, em Tottenham. Estávamos a gravar jams numa casa transformada em estúdio, que havia por lá. Começámos a gravar jams, e estava a surgir um som. De repente, um conceito surgiu também, e foi desta forma tão fácil quanto possível. Foi mesmo assim que começou. Foi também daí que surgiu o nome da banda , e começamos a fazer as nossas gravações White Label, os nossos vinis e coisas desse género. Fomos sendo ouvidos e selecionados por alguns DJs, o que nos levou a fazer alguns concertos, e por isso é uma história bastante comum… 

Kevin História básica…

Benji Foi uma história bastante básica de uma banda a começar a sua cena. E foi assim, o início foi em 2017, quando nos juntámos e gravámos.

Eduardo – Falaram também do nome da banda. Está, de alguma forma, relacionado com o filme It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World do Stanley Kubrick? Se não, podem-nos contar um pouco da história por detrás do nome MADMADMAD?

Benji – De facto parece que poderia estar completamente relacionado…

Kevin – Sim, poderia mesmo!

Benji – Poderia. É mais simples que isso. Em primeiro lugar, em relação à situação em que nos conhecemos e gravámos e tudo, foi num hospício, basicamente. Era uma casa cheia de instrumentos. A música tomou conta das nossas vidas e de tudo, por isso sentia-se mesmo um clima maluco. E também nos deparámos com uma revista dos anos 60, uma revista de ficção científica. Dentro estava uma história com grandes gráficos, tudo muito à 60s, muito sci-fi, e descrevia um “mad, mad, mad monkey world”. Por alguma razão, desde os gráficos à história, a tudo, sentimo-nos muito conectados a isso. E ainda, por último, sem querer ser pretensioso, sentíamos que o ar na sociedade, e mesmo agora, com os tempos que vivemos, são mais malucos do que alguma vez foram, ou pelo menos assim parece, nem que seja apenas por existir tanta gente no planeta e tudo ser multiplicado pela internet. Com tudo isto combinado, sentimos que “MADMADMAD” definia muito bem quem somos, o que fazemos…

Kevin – E vivemos…

Benji – E o que atravessámos. Foi assim que ficámos com este nome.

Eduardo – Ok! E que boa história!

Ana   Olhando para os espaços em que os vossos espetáculos vão ter lugar, em Portugal, percebe-se que são, na maioria, clubes e pequenas discotecas. Acham que a vossa música é mais direcionada para este tipo de palco, onde a conexão com o público é, talvez, mais intimista? Ao invés do que poderia acontecer com grandes multidões?

Kevin – Nós tivemos um espetáculo com um público grande, talvez não muito, mas já estivemos em dois festivais, e isso tem mais a ver com a hora em que tocamos. Se tocarmos às 20 horas, há uma determinada reação, e se tocarmos às quatro da manhã, haverá uma reação totalmente diferente. Geralmente, funciona melhor a horas mais tardias, quanto mais tarde, melhor funciona. 

Benji – É bem verdade que são duas vibes diferentes. Eu não posso dizer que prefiro uma em detrimento da outra, porque ambas são incríveis. Mas, a vibe diferente de que tu falaste é tão intensa, e sentes-te tão conectado, obviamente, com o público, certo?

Kevin – Tu suas com elas, com as pessoas.

Benji – Tu suas com todas as pessoas… Nós também gostamos de tocar na multidão, com as pessoas à nossa volta. São experiências muito diferentes. E nós adoramos-las. Portanto, enquanto pudermos dar concertos em clubes, é claro que os iremos dar sempre. Sem palcos de festival, multidões maiores, nós já demos uns quantos, e adoraríamos dar mais. É uma experiência muito diferente, mas é também muito poderosa. Assim, não há nenhuma que seja melhor: são apenas experiências diferentes. E nós, quero dizer, eu, pessoalmente…

Kevin – Sim.

Benji – Ficamos à vontade em ambos os locais porque ambos são encantadores. 

Eduardo – Já tinham estado em Portugal?

Benji – Temos uma maldição com Portugal! Há dois anos que tentamos vir e, por várias razões, não conseguimos, por exemplo, vir ao Tremor nos Açores. Mas vamos fazê-lo em 2022. Portanto, esta é a nossa primeira vez, enquanto banda, em Portugal.

Eduardo – Então, esta é a vossa primeira vez em Portugal, até em contexto de experiência pessoal? 

Kevin – Ah, não, não, não! Já cá tínhamos estado…

Benji –Eu nunca tinha estado; o Kevin, sim… 

Kevin –Algumas vezes. 

Benji – E o Matt, o terceiro membro da banda, também já tinha. Mas, como banda, é a nossa primeira vez, sim.

Eduardo – Nessas experiências pessoais em Portugal (ou não), já tinham tido a oportunidade de visitar Coimbra? 

Kevin – Não, nunca.

Benji – Não. Quando aí chegarmos, será a nossa primeira vez.

Ana – A vossa música é puramente instrumental, vocês não têm vocalista. Foi uma escolha premeditada, ou simplesmente aconteceu?  

Kevin – Simplesmente aconteceu. 

Benji –Simplesmente aconteceu. 

Kevin –Sim, simplesmente aconteceu. 

Ana – Mas, já pensaram nisso? 

Benji – Sim!

Kevin – Os nossos gigs têm agora um pouco de voz, mas não é o mesmo.

Benji – Não temos um vocalista principal.

Kevin – Sim, isso é certo. 

Benji – Mas nós fazemos as coisas de forma orgânica, certo? Nós fazemos o que sentimos ser certo. Quando formámos a banda, era instrumental, e pareceu-nos certo dessa maneira. Quantos mais concertos damos, mais nos parece certo. Conseguimos encontrar maneiras de realmente usar a voz como um instrumento. Então, agora o Kevin usa a voz como um instrumento, em palco. No próximo ano vamos ter uma série de lançamentos, uma série de álbuns que sairão em março de 2022, e para esses álbuns também temos experimentado a voz, por isso… estamos a chegar lá. 

Kevin – Estamos a começá-lo. 

Eduardo – Vocês editaram “Proper Music”, o vosso primeiro LP, em março de 2019, e o vosso segundo LP, o “More More More”, em outubro de 2020. Pelo meio, e tal como disseram antes, começou uma pandemia que mudou a vida de todos. Em que níveis mudaram as vossas vidas? Criar e trabalhar foi mais difícil, em particular fazer música para este segundo álbum?

Kevin – Primeiro, sim, como músico, não tens nenhum trabalho, e por isso sentes-te uma espécie de sobras – à semelhança de todos os músicos do mundo. Começámos a questionarmo-nos sobre o que iríamos fazer, e… A primeira abordagem foi simplesmente não fazer nada. É verdade! Durante dois meses, não fizemos nada, certamente. No primeiro confinamento, nós realmente éramos …

Benji– No primeiro confinamento nós contemplamos a pandemia, como toda a gente. Só para resumir, nós tivemos de ajustar as nossas vidas: não havia concertos; não havia trabalho. Então, tivemos de ir para a rua procurar outros trabalhos. A questão é: de qualquer forma, a situação não fez cair a nossa criatividade, porque, sabem, todas estas questões que têm acontecido à nossa volta são muito inspiradoras. Isto é: quando queres criar, só queres criar. Portanto, tu geres isso.

Kevin –Finalmente, fomos para casa do meu amigo Eddie, que tem um estúdio no Sul de Londres, onde tem um dos mais bonitos equipamentos musicais do mundo. Tem mini-Moogs, do género…

Benji– Sintetizadores em todo o lado.

Kevin – Sintetizadores, sim! E depois ficámos por lá durante uns 15 dias, o novo disco estava para sair dessa sessão, e assim fizemos umas 30 horas de jams, e depois, acho que fizemos isto por uns 10 ou 15 dias em setembro…

Benji– De 2020.

Kevin – Sim, não me consigo lembrar agora, é que parece que já foi há 5 anos.

Benji– Sim, sim! Só que foi no ano passado. Mas isso não impediu a nossa produtividade ou criatividade porque nós utilizamos tudo isso para, na verdade, gravar mais material, e é isso que virá em breve, todas estas sessões é o que iremos lançar em breve

Eduardo – Quando é que vão lançar essas gravações?

Kevin – Então, vamos começar a lançar gravações em março de 2022, e algumas delas vêm dessas sessões. 

Ana – Vocês têm o vosso próprio Manifesto, o que é, digamos… curioso. Olhando para a primeira premissa, vocês falam em “transformar as nossas alienações em algo em que possamos escapar e dançar”. Acho que essa sensação de alienação foi sentida por muita gente durante os últimos confinamentos… a música foi um escapismo para vocês durante a pandemia? Olham para a Arte como uma espécie de travessia para a liberdade? 

Kevin – Até mesmo antes do confinamento! Quando praticas música, mas também outras atividades: podes estar na tua cozinha, a cozinhar…

Benji – É a mesma coisa!

Kevin – Qualquer coisa na vida de cada um, que consiga fazer-te desaparecer, deixar de ser a pessoa que és, voando apenas pelo cosmos, esquecendo quem és. É das melhores coisas que se pode sentir na Terra.

Benji – É mesmo. É catártico! A nossa coisa é a música. E acho que isso acontece de ambas as formas: quando a praticas ou crias, é catártico, tal como é quando ouves. Nós somos também ouvintes, e é também catártico. Ambas as formas. 

Ana Por que razão decidiram escrever um Manifesto? Sentiram a necessidade ou o desejo de ter o vosso trabalho explicado, enquadrado ou… mais inteligível ao público? 

Kevin – Nós somos fãs do trabalho de Dada, e por aí. 

Benji – Nós sentimos uma conexão forte com o que aconteceu há um século, basicamente. Eu penso que isso continua a acontecer, em ciclos, e, para nós, aquele momento de 1918, em que surgiu o Movimento Dada veio à rua, é-nos uma fonte de inspiração. Ele surgiu depois da Primeira Guerra Mundial; depois da Gripe Espanhola; houve uma série de coisas que não fizeram sentido: a internet ainda não existia, mas os tempos eram realmente loucos. 

Kevin – A Imprensa já existia…

Benji – Sim, havia os média, mas… Isto é: não eram tão globais como a  internet, mas as pessoas, pelo que parece, sentiram-se muito perdidas no que estava a acontecer. A guerra não fez sentido. Muitas pessoas – incluindo as vossas famílias, possivelmente, e as nossas – tiveram de ir para estas guerras, e isso não teve sentido. E o mundo, depois disso, teve de se reedificar e de reconstruir algum tipo de identidade. E a resposta a isso pela Arte foi dada pelo Movimento Dada. Eles apenas juntavam peças, as criações não faziam sentido, mas, como dizer… aquela loucura, aquela piada, eram um espelho da sociedade. Foi isso o que aconteceu: foi uma resposta das artes ao que realmente estava a acontecer na sociedade. E foi muito interessante! Parte disso é provavelmente… lixo, mas não importa! É a resposta das artes! E só por produzir algo, que era o espelho do que era a sociedade naquela época.

Ana – Uma reação?

Benji – Sim, exatamente! Agora, avançando um século, é muito fácil ligar os pontos, estabelecer esta ligação com o que está a acontecer, hoje: a pandemia, mas também a internet, o impacto da internet na sociedade. Vocês sabem o quão debilitante ela tem sido para a sociedade; é uma das melhores coisas que nos aconteceu, pois tudo é acessível a qualquer hora – estamos neste momento a ter uma conversa, e obrigada por isso -, todas estas coisas são incríveis. Mas, ao mesmo tempo, há um lado reverso, que é o grande novo abismo que coloca na sociedade, certo? Portanto, é muito fácil fazer esta conexão, e nós sentimo-nos realmente inspirados por isso para fazer o que fazemos. 

Ana Costumam falar de vocês e do vosso trabalho como “verdadeiramente independente”. Qual é o significado de ‘independência’ para vocês? Quais os seus limites? São dependentes de algo, apesar dessa independência? 

Kevin – Eu não sei se o “verdadeiramente independente” existe realmente, mas, nós não temos connosco ninguém a bordo, neste momento. Se tivermos a hipótese de vir a ter alguma editora incrível por detrás de nós, talvez digamos que sim…

Benji – Mas nós nunca a encontrámos…

Kevin – Também temos percebido que o tempo que gastas a tentar procurar pessoas para ouvir a tua música, estás a perdê-lo. Portanto: lança a tua música e, se as pessoas estiverem interessadas, elas virão ao teu encontro! 

Benji – Isto é: independência, para nós, significa fazer o que queremos fazer. É isso! Assim que começas a trabalhar com pessoas, o trabalho até pode ir bem, mas, quando se entra na estrutura da indústria, como na da música, em particular, percebemos que existem padrões, protocolos, moda, coisas a seguir –  coisas que deves fazer porque toda a gente as está a fazer! Nós sentimos que não pertencemos a isso, portanto…

Ana – Vocês não o seguem…

Benji – Nós não o seguimos porque não é isso que nos faz feliz. Isso é o mínimo, sabem? Queremos fazer o que nos deixa feliz. Por isso, se não encontrarmos a pessoa para o fazer connosco, então continuaremos a fazê-lo sozinhos, e é isso. 

 

Fotografia: MADMADMAD

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