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20.10.2021POR Hugo Ventura

A RUC NO IMINENTE’21 – DIA 10/10

O dia 10 foi o último dia da jornada de 2021 do Festival Iminente na Matinha, mais um que revigorou velhos hábitos, deixando uma ode a Cabo Verde, mas, principalmente, deixando um anseio do seu retorno em 2022.

 

Talk

Com o mote “Amor: Cuidar de quem cuida”, Patrícia Santos Pedrosa, investigadora no Centro Interdisciplinar em Estudos de Género do ISCSP, Piny, performer, coreógrafa e professora na área da dança, e António Brito Guterres, curador das conversas que passaram no Iminente e mente ativa no desenvolvimento territorial e comunitário, deram asas à reflexão de um tema bastante sensível nos bairros da zona, onde mulheres de família vêem a sua vida privada de outras experiências, não só devido ao trabalho, mas, sobretudo, ao facto de grande parte da carga doméstica e zelo pelos filhos recair sobre elas. Um costume, admitido pelos intervenientes, bastante enraizado e que origina a problemática destas mulheres não terem tempo nem predisposição para cuidarem de si próprias. Apesar da dificuldade, os mesmos, deram conta que se vai caminhando, ainda a curtos passos, para um equilíbrio, através de associações, fundadas nos próprios bairros por mulheres e para mulheres, que incentivam e impulsionam estas a juntarem-se várias vezes por semana e a partilharem as suas vivências sem tabus, fazendo impulsionar a confiança e o amor-próprio, criando experiências e libertando-as das amarras dos velhos costumes.

 

Palco Choque

O primeiro parágrafo da ode a Cabo Verde foi escrito pelas batucadeiras Finka Pé, um grupo, exclusivamente de mulheres de origem cabo-verdiana, que fez renascer uma herança do século XVII. São capazes de proporcionar uma boa farra sem necessitarem de qualquer instrumento, apenas e só a precursão natural e a voz, e prova disso foi a rapidez com que lotaram o espaço, atraindo facilmente qualquer transeunte a um espetáculo único que dificilmente assistiria na vida se não se proporciona-se desta forma. Embora, a surpresa do dia tenha sido Mbye Ebrima, proveniente da Gâmbia e mestre de kora, instrumento que o acompanha desde o berço. Marcou o Iminente com a sua personalidade, a sua paixão pela música e a verdadeira forma de a sentir e transmitir, conseguindo transportar esse mesmo sentimento ao público, sentado no chão a seus pés, que o escutava de forma deliciada. A interação com a plateia foi máxima, criando uma intimidade ao alcance de muito poucos, num momento, que o próprio o designou de partilha e não de concerto, em que a música e a harmonia, que iam suando pelos seus dedos, eram capazes de ligar cada pessoa presente. Mas o momento mais mágico desta partilha chegou quando Mbye convidou para junto de si Cristina Clara e interpretaram juntos “Canção de Embalar”, de José Afonso. Mbye, na kora, e Cristina, na voz, foram capazes de unir dois mundos que pareciam imiscíveis, mas que, afinal, juntos, têm tanto para dar. Mbye esteve com a RUC, ainda antes do concerto, numa conversa que poderá ouvir no dia 20 de Outubro pelas 17h no Gondwana, através dos 107.9 FM ou em ruc.pt. Falou, não só, sobre as suas raízes e a sua experiência em Portugal, onde está desde 2015, mas, também, de um dos seus mais recentes projetos que está, atualmente, a abraçar e que vai ao encontro desta interpretação com Cristina Clara, um projeto em que eleva a kora para outros patamares e a incorpora no nosso Fado.

 

Palco Cine Estúdio

Por aqui completou-se, de forma magnífica, a ode a Cabo Verde com Jon Luz a dar o mote para uma noite recheada de funaná. Já há vários anos na senda musical, mas onde sempre se resguardou dos holofotes principais, muito por via do seu contributo enquanto guitarrista de outros nomes do panorama nacional (e não só), ou, até mesmo, do próprio contributo na composição e escrita de canções. Atualmente, tem vindo a investir cada vez mais na sua carreira a solo, e a agarrar esse protagonismo, que tão bem lhe fica. Foi com um saudoso “Viva ao público!” que se fez apresentar no Iminente, e, claro está, com o seu velho parceiro, o cavaquinho, cada vez mais afinado e pronto para nos embalar a qualquer momento. Veio acompanhado com a sua banda, para, juntos, erguerem os ritmos de funaná e envolverem os corpos, que se encontravam ainda tímidos e dispersos na plateia. A temperatura ia crescendo, e o público a revelar-se e a aglomerar-se cada vez mais, acabando por lotar o espaço, tornando-se de certa forma numa pré-reserva para o momento mais ansiado da noite. Jon Luz deu espetáculo e alavancou a plateia para o concerto de encerramento do festival que estava a cargo dos Fogo Fogo, que regressaram desta forma ao Iminente, depois de terem surgido na edição de 2018. Agora com disco novo na manga, Fladu Fla, editado este ano, veio para consolidar um repertório que não deixa nenhum corpo ficar parado. Estavam em cima do palco, no seu habitat natural, e com a casa a rebentar pelas costuras numa cidade que os viu formarem-se, e onde a música se manifesta cada vez mais através da riqueza da cultura crioula. Este dia parecia uma miragem, até ao momento em que finalmente puderam libertar toda a vontade, que tinham dentro de si, de voltar a celebrar o funaná e propagar esse sentimento por quem estava presente, de tal forma que até quem teve o infortúnio de ficar à porta, do lado de fora, fez a festa! Mas se quiser compreender melhor este fenómeno terá a oportunidade de os ver no próximo dia 11 de Novembro no TAGV, num concerto que marca o encerramento do 35º aniversário da Rádio Universidade de Coimbra, e, também, ouvir no Gondwana, do dia 20 de Outubro, as declarações que fizeram à RUC, ainda antes do concerto, sobre o processo deste novo trabalho e também as aspirações para esta nova realidade!

 

Palco Gasómetro

Diretamente de Gaia veio David Bruno, em nome próprio, juntamente com o resto da sua crew, Marquito e António Bandeiras, para abrirem as hostes musicais do último dia de Iminente. O dia da semana era sagrado, e portanto a indumentária expectável não podia faltar, com os três membros a envergarem o tradicional fato de treino, cada um com a sua cor, apelidados assim de “Powers Rangers de Rio Tinto” pelo próprio artista. O guru do sampling percorreu toda a sua discografia, inclusive o clássico álbum 4400 OG, intercalando com as malhas inerentes do seu, imprescindível, Marco Duarte. Mas um concerto de David Bruno é muito mais que música, é puro entretenimento, com intervenções só ao seu alcance e capazes de conquistar qualquer pessoa, sendo sempre fiel a ele próprio, ao abrir-se perante o público e desconstruindo todos os seus temas, por mais peculiares que sejam. Porque David Bruno é acima de tudo um cardápio da portugalidade e um hino do orgulho português.

 

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